21 dezembro, 2010

Concurso de Escrita - vencedor

 Já há uns tempos foi anunciado aqui no blogue a parceria com o concurso de contos do "Que a Estante nos Caia em Cima". Como prometido é devido, aqui fica o conto do vencedor, que pode ser encontrado neste cantinho.

o carrossel (de João Rogaciano)

30 novembro, 2010

Velhice


A sala estava forrada a papel amarelo, com desenhos de flores negras, as paredes enfeitadas com quadros de mortos e um espelho árabe, recordação de uma viagem que alguém fizera por outro mundo. Ao canto, repousava uma secretária atafulhada de cartas abertas e por abrir, de respostas rabiscadas à pressa, por mãos que no final desistiram delas ou simplesmente as esqueceram. Havia uma grande estante cheia de discos antigos, acompanhada pelo gira-discos que lhes dava vida durante tardes a fio, quebrando a rotina e o dia-a-dia. E a poltrona, a poltrona verde onde se sentava a ouvi-los tocar, a poltrona que encontrara na rua, quase nova, e que trouxera para casa com o intuito de renovar, a poltrona que nunca chegara a ser restaurada, que mantinha as nódoas no assento e os arranhões de um gato que nunca tivera num dos braços.

Pelo menos era assim que se recordava as coisas. Afundado nessa mesma poltrona, fixava a janela há tanto tempo que talvez o ambiente à sua volta já tivesse mudado. Talvez alguém já tivesse arrumado as cartas, talvez alguém tivesse levado os discos. Talvez o papel de parede fosse agora castanho, resultado do desgaste do tempo, talvez tivessem comprado um televisor e violado o espaço que outra pertencera ao gira-discos.

 Lá fora, as vidas passam continuamente, deixando ficar um rasto de si mesmas entre os quatro cantos da tela. São telefonemas lassos de homens de fato a caminho do escritório, são pedaços de abraços de casais apaixonados sem idade para se apaixonar, são risos  despreocupados de melhores amigos que em poucos anos serão desconhecidos. São tantos, e mesmo assim parece que são os mesmos que por ali passam todos os dias, sempre com o mesmo aspecto, as mesmas conversas, os mesmos gestos.

E por momentos gostava de trocar as pantufas por sapatos e sair à rua, e voltar atrás, a esse tempo em que não havia preocupações, que tinha força para se levantar da poltrona, que tinha conversas desprovidas de sentido ou intuito. Em que não tinha perdido a sua crença mundo e na sociedade, em que ainda valia a pena respirar. Porque agora, estar lá fora ou não estar, era a mesma coisa – tal como ele, todos eles mantinham o dia-a-dia de sempre, todos eles restringiam o seu olhar para o mundo a uma janela pequenina, a espreitar a vida dos outros descaradamente, abandonando a sua. Não. Para isso preferia deixar-se ficar, esperar que a morte chegasse e lhe apontasse outra coisa.

Foi então que, com um baque, o espelho árabe se estilhaçou no chão, multiplicando a sala em mil pedacinhos tortos, espalhados pela carpete. Baixou o olhar pela primeira vez em tanto tempo, e um foi assaltado por um arrepio frio. Nos pedaços desalinhados ao longo da carpete, não encontrou rugas ou cabelos brancos. Apenas um olhar angustiado, enfeitado com borbulhas vermelhas, juvenis. Tinha a vida toda à sua frente.

25 novembro, 2010

O Castelo - Franz kafka

Este livro retrata a história de um homem, K., que chega a uma aldeia onde pretende trabalhar como agrimensor, a mando do Castelo, onde se encontra o centro do poder. Assim, K. tenta, ao longo da narrativa, chegar ao Castelo, sendo que estas parecem nunca ter sucesso, e o Castelo parece cada vez mais difícil de alcançar.

Confesso que me custou, que demorou, mas finalmente acabei este livro, do qual não soube falar durante alguns dias, enquanto não tive tempo para reflectir nas 342 páginas que acabavam de passar pelos meus olhos.

Não porque não tenha gostado, se é que é aqui possível empregar os termos "gosto" ou "não gosto", mas porque é um livro complicado, estranho, psicadélico, que é bastante confuso nos diálogos e relatos das personagens, exigindo de nós bastante concentração, e que me fazia, por vezes, ficar algum tempo a meditar em tudo aquilo antes de conseguir avançar na leitura.

Como história em si, pode dizer-se que não faz qualquer sentido, o que pode ser completamente frustrante, e nos leva, até, a pensar em desistir do livro - o que poderia ser apontado como uma falha do autor, se não se desse o caso de ter sido publicado após a sua morte, pelo que, provavelmente, a história foi escrita para si próprio, e, como em todos os autores clássicos, não haver uma preocupação em agradar ao leitor, mas antes de fazer passar ideias.

De facto, como em todos os romances Kafkianos, há muito mais para além da própria historia; toda uma serie de pormenores que nos remetem para determinadas situações da actualidade, crítica intemporal a uma sociedade demasiado louca e demasiado estranha para ser compreendida. Uma sociedade em que cada um vive o seu dia-a-dia continuamente, conformado com a realidade em que está inserido.

A política, a dificuldade de chegar ao sistema, a indisponibilidade dos políticos, sempre demasiado ocupados com algo que desconhecemos. As pessoas, a preocupação em agradar aos outros, a facilidade com que se fazem e desfazem relações, a forma como se usam pessoas para atingir determinados interesses. A obsessão pelo trabalho, a importância dos cargos, das roupas, do ser bem visto. Tudo isto são temas que vão sendo abordados quase sem nos darmos conta, representando uma sociedade deslocada do pensamento lógico e da razão.

22 novembro, 2010

Relembrando os motivos de querer ser jornalista

O Primeiro de Janeiro
Alberto Pimentel

O Primeiro de Janeiro é como os viajantes que teem de partir ao romper da manhã: passa a noite a fazer a mala.

Quem vae de jornada prepara-se para todas as eventualidades: mette ao sacco seis lenços supranumerarios para uma constipação; a casaca para uma soirée inesperada; um frasco d'agua sedativa para uma nevralgia; dois livros para uma hora d'aborrecimento; os sapatos de borracha para um dia de chuva. Ainda como o touriste, o Primeiro de Janeiro dispõe-se a poder satisfazer todas as reclamações que o assaltem no caminho: para os impacientes leva na mala os telegrammas, para os negociantes as cotações, para os politicos o artigo, para os ociosos o folhetim, para os alviçareiros as noticias, para os interessados os annuncios, e para as senhoras as modas.

 Os passageiros vão sentados no vehiculo; elle vae a correr pelo caminho. Quando o comboyo parte, apparece-lhes nas Devesas; quando chega a Aveiro, encontram-no na estação; quando passa em Coimbra, o Primeiro de Janeiro salta aos vagões e diz aos viajantes engalfinhando-se na portinhola: Aqui estou!

Que prodigio de ubiquidade é este? Como é que o jornal chega primeiro que o homem! Ah! é porque o homem é o barro, e pesa, e o jornal o pensamento, e vôa. Nasceu da faisca electrica e do vapor; é irmão gemeo da locomotiva. O comboyo leva o homem; o jornal o pensamento. O motor d'um é a machina; o do outro o espirito humano. São os passaros da civilisação, as aguias do progresso. Por isso Arsenio Houssaye disse: «O jornal é a ave errante que atravessa o mundo: prendei-lhe a vossa ideia á asa, e a vossa ideia florirá nos mais remotos desertos.»

Nada ha menos complicado que o jornal e mais complexo que elle: é a sociedade, a raça, a civilisação e o seculo. É o thermometro que mostra o grau da vitalidade popular, a lente que reproduz a lucta das gerações, o melhor historiador e a melhor historia.

Poderemos chamar ao Genesis o jornal da creação do mundo, o que nos leva a crêr que esta manifestação do pensamento publico não data unicamente dos tempos de Guttemberg, mas vae pelas idades a dentro procurar origem no fiat creador que deu fórma e movimento ao nada. Á medida que a intelligencia do homem ia profundando a sonda n'este mar de bellezas infinitas que o verbo creador espraiou entre as balisas do universo, e se foram arando os mares, e desbravando as florestas, e povoando cidades e consolidando imperios, a vida das nações tomou um incremento que se não poderia registar em longas chronicas, como os commettimentos da antiguidade, senão que dia a dia, hora a hora, momento a momento. A personalidade moral do homem dilatou-se e, na impossibilidade material de estar em toda a parte, diffundiu o seu pensamento em particulas que voaram aos grandes centros attrahidas pela gravitação que regula a harmonia das sociedades. Então o jornal renasceu de si mesmo, multiplicou-se, e começou a collaboração universal dos povos á beira da prensa d'onde todos os dias parte o mensageiro alado a sacudir da plumagem as ideias que o homem lhe prendeu. É o correio do mundo, o postilhão dos seculos; anda sempre e não cança. Cada geração tem o seu temperamento collectivo, as suas paixões, as suas luctas, os seus revezes e os seus triumphos. O jornal, que é tudo isso, irá resuscitando amanhã do tumulo que se fechou hontem, e acompanhará o movimento febril das gerações que se succedem. 
 
Ler integra aqui.

16 novembro, 2010

Por do sol

O sol punha-se lá fora, mas há muito tempo que as cores se tinham esbatido, ficando apenas a sensação da passagem do claro para o escuro. Tremeu. Tinha sempre medo quando se aproximava esta hora, quando finalmente lhes era permitido usar as casas-de-banho. Os buracos rudimentares, cerca de trinta ou quarenta, lado a lado. Nunca na sua vida tinha pensado que chegaria a esse ponto, de ter de partilhar estes momentos com desconhecidos! Que agora já não eram desconhecidos, de todo, apesar de não saber os nomes de mais que três ou quatro. Também não fazia grande diferença – ali eles não passavam de números. Os nomes, esses, tinham ficado do outro lado da cerca de arame farpado, juntamente com toda a sua vida: a sua casa branca, não muito grande, mas sempre cheia de alegria, os risos dos filhos, o sorriso de Agnieska. Como sentia saudades deles! Há meses que não os via. Ou seriam anos? Ali o tempo passava de uma forma estranha, e não havia forma de o contar. Nem havia qualquer interesse. Cada dia era mais uma batalha, uma tentativa de chegar vivo ao dia seguinte. Passou por entre os ratos e escolheu um buraco vazio – tinha de defecar o mais rapidamente possível. Ao lado, os companheiros aceitavam as mordidelas das pequenas bestas com gritos de terror. Ser mordido significava, muito provavelmente, ficar doente. Mas nem isso eles perdoavam – doente ou não, o trabalho tinha de ser feito. Por vezes, quando alguém estava em tal condições que não conseguia trabalhar, era levado pelos soldados, e nunca mais era visto por ninguém. Não se sabia ao certo o que lhes acontecia, mas parecia mais aterrador descobrir que continuar nesse dia-a-dia mesquinho. Um dia talvez o céu voltasse a ter cores, um dia talvez saíssem de Aushwitz, e recuperassem a honra perdida. Por enquanto, não havia diferença entre ele e aquilo que acabava de cair no buraco por baixo de si. 


03 novembro, 2010

Concurso de Escrita

Está em aberto um concurso de escrita, com que o meu blogue está a fazer parceria, sendo que será aqui publicado o conto vencedor.
Have fun!

26 outubro, 2010

Night on Earth

Já alguma vez se questionaram no que estarão a fazer outras pessoas no exacto momento em que estão a fazer alguma coisa? É disso que trata este filme: um mesmo momento, uma mesma acção, cidades diferentes. Uma viagem de taxi nunca é a mesma, principalmente se a "corrida" tiver lugar em sítios como Los Angeles, Nova Iorque, Paris, Roma ou Helsínquia. Cada cliente tem uma história diferente, cada condutor age de maneira, trazendo-nos diferentes emoções - seja o riso, a surpresa ou a comoção. 

Uma das coisas que tenho de gabar é o facto de, em cada uma das cidades, os protagonistas falarem a sua própria língua, provando, desde logo, tratar-se de um bom filme, um filme pensado, e não uma porcaria comercial das que passam na televisão. Aqui não há o típico actor americano a fazer de italiano e a falar inglês, como se essa língua fosse realmente universal. Não. Aqui há actores franceses a fazer de franceses, italianos a fazer de italiano. 

Também a banda sonora é deliciosa, uma música que vai seguindo ao longo dos episódios, dando-lhe estabilidade e coerência, e, talvez, ajudando a relembrar que se trata do mesmo momento em todos eles.

Por fim, tratando-se de um filme de 1991, há imensos pormenores engraçados que nos remetem para esse tempo - os telemóveis gigantes, com antenas, e o próprio facto de se fazerem grandes viagens de taxi, que hoje em dia, com a subida do preço do gasóleo, nem viagens de cinco minutos faríamos! 

Night on Earth. Vale bem a pena.

17 outubro, 2010

Escolhas

A faca percorreu o abdómen, abrindo uma fossa por onde correu um rio vermelho. Os dentes cerrados, uma tentativa de não gritar, rangeram de tal maneira que se diria que alguém acabara de passar com um giz num quadro de lousa. A anestesia não estava a fazer efeito… Não servira de nada, portanto, espetar aquela agulha de dez centímetros mesmo no meio da barriga, sem saber muito bem o que fazia. Não importava. Com ou sem dor, tinha de terminar o trabalho.

Com uma mão, puxou a pele aberta, e meteu a outra por si adentro. Tinha visto um livro de anatomia, e sabia que estava por ali algures. Por fim, lá sentiu um órgão, e começou a puxar. A dor era maior do que se podia imaginar. Vinha de dentro para fora, de algum sítio que ele nunca tinha percebido anteriormente que existia, vinha em massas de pressão, de mal-estar, fazendo brotar nuvens de sangue para o exterior. “Mais um pouco, pensou, só mais um pouco” e agarrou a faca de novo, para cortar o rim de uma vez por todas. Era só um rim, um minúsculo e inútil rim. Porque raio tinha de parecer que o mundo estava a desabar sobre ele, desfazendo-o em mil pedaços?

Por muito que quisesse parar, sabia que não podia. Já estava tudo a postos – a arca frigorífica, o telefonema para a pessoa que ia levar o órgão para o outro lado do mundo, e a menina, que já vinha a caminho. E no entanto, sentia que quase não tinha força para os receber. Não sentia mais nada a não ser aquela zona do corpo, que mesmo assim parecia propagar-se e espalhar-se por toda a sala, como uma bola latejante que exigia toda a atenção para si mesma. Só conseguia ver a faca reluzente nas suas mãos, o rim a sair pela abertura. Sabia que estava a gritar, pois sentia um ardor no fundo da garganta, mas não conseguia ouvir-se, assim como não conseguia sentir mais nenhum cheiro para além do cheiro a sangue, que fazia a sua bílis subir até à boca, que, sem saber como, voltava a enviar de volta lá para dentro. Hoje, só saía o rim.

E que felicidade sentiu quando conseguiu pegar nele e enfiá-lo entre o gelo! De repente percebeu o que a sua mãe queria dizer, quando insinuava que as dores do parto acabavam sempre por ser recompensadas no momento em que pegávamos com as nossas próprias mãos naquela coisinha que saíra de dentro de nós.

Sim. Já não faltava muito para ela vir. Sabia que ia morrer a seguir, esvair-se em sangue… mas pelo menos estaria com ela, e se estivesse com ela estaria bem, esqueceria toda a dor e sofrimento dos últimos minutos. Dera tudo por ela – vendera tudo o que em casa podia ser vendido, desde as jóias até a coisas básicas como móveis, e roupa. Quando não lhe restava nada, vendeu um rim.

As pessoas podiam criticar, e muitas tinham criticado, durante tempo demais. Para ele, não passava de uma questão de escolhas. Muitos gostavam de ir ao ginásio, emagrecer e parecer heróis. Ele, encontrara a sua heroína, e quanto mais pesada, melhor.

04 outubro, 2010

Para o bem da humanidade....


 

Algumas pessoas deviam submeter-se a isto. 
Obrigada.

26 setembro, 2010

Acasos

- Não andes por aí, Carina, vais cair.
A criança não liga nenhuma, e continua a pôr um pé a seguir ao outro, sobre o muro de pedra.
- Já te disse para saires daí... Tu vais cair! Vais cair e vai ser bem feita.
Ante o desacreditar da mãe, a menina cai, esfola o joelho, e começa a chorar.
- Caramba, Carina, eu bem avisei! - a mãe levanta-se e dá duas sapatadas na filha por ter caído.

Trinta e cinco anos depois.

Carina está deitada com o marido. Está naquele estado em que não estamos acordados apesar de também não estarmos a dormir. A letargia é interrompida subitamente pelo barulho de chapa contra chapa, e o chiar de travões. Carina levanta-se subitamente, com o coração aos pulos. "Foi o meu carro?". Desce as escadas a correr e abre a porta. Não importa que esteja de pijama, tem de se certificar. "Foi o meu!". Uma mossa do lado esquerdo, o pára-choques destruído, o retrovisor no chão. Do outro carro, o que bateu, sai uma senhora. Vem a mancar, as mãos a tremer sobre o rosto, a prender o choro.
- Mas qual é a sua?! - grita Carina, a fúria a sair -lhe pela boca entre golfadas de ar - Não acredito que me foi fazer isto, é que não acredito mesmo! É preciso muita lata...

Carina aprendeu que somos sempre culpados das nossas acções. Não acredita em "sem-querer", em acasos ou acidentes. A culpa? Da sua mãe.

24 setembro, 2010

As Dez Figuras Negras, Agatha Christie

 
«Um de nós... um de nós... um de nós...»
Estas palavras, infinitamente repetidas, matraqueavam hora após hora em cérebros receptivos. 
Cinco Pessoas - cinco pessoas assustadas. Cinco pessoas que se vigiavam umas às outras, que agora já quase não disfarçavam o seu estado de tensão nervosa.


E se dez pessoas fossem convidadas para passar um tempo numa ilha... sem conhecer o dono? E se essas pessoas começassem a morrer aos pouquinhos? O criminoso só pode ser um deles. Mas quem? 

Este é o primeiro livro que leio de Agatha Christie. Pelo que soube da autora, esta criou duas personagens que costumam rivalizar com Sherlock Holmes, sendo elas Hercule Poirot, e Miss Marple. Nesta história não entra nenhum dos dois, assim como não é uma história de detectives dita "normal". Isto porque neste tipo de histórias costuma haver algum problema que precisa de ser solucionado, enquanto que neste livro a procura da solução e o próprio problema são o mesmo. Todas as personagens procuram descobrir quem é o assassino, mas todas as personagens podem ser o assassino. Assim, a trama adquire um tom de mistério e suspense que de outra forma não adquiriria.

Um dos aspectos mais positivos do livro será, portanto, todo o jogo psicológico em torno das personagens - os seus medos, as suas suspeitas, as suas memórias. No entanto, acho que por vezes há uma repetição excessiva dos factos, que são repetidos inúmeras vezes. Também não gostei muito da forma como as personagens e a questão é introduzida ao público - através de cartas pessoais que todas as personagens receberam. Isto torna o início pouco cativante e quase confuso, por não se perceber muito bem quem é quem, já que se tratam de tantas personagens.

Tirando isso, posso dizer que Agatha Christie me cativou, pela forma como manteve o suspense e o mistério até ao fim, pela forma como explorou os sentimentos e pensamentos pessoais de cada uma das dez personagens. Posso com certeza afirmar que vou ler mais policiais desta autora. 

23 setembro, 2010

Fazendo trabalho de auto-promoção

Vou partir em breve. Como tal, decidi criar um novo blogue, para expor todas as aventuras. Para quem quiser espreitar, aqui fica o link.

22 setembro, 2010

E se... o mundo fosse governado por hippies?

A moda seria abolida. Veríamos médicas de vestidos de alças e sandálias, banqueiros de peito à mostra e colares africanos ao pescoço, fato-de-treino, pijama, ou o que quer que lhes aprouvesse usar, ou não usar, pois andar nú seria permitido. Mais, não haveria um padrão de beleza - esta seria avaliada pelas acções de cada um, pela sua maneira de estar perante a vida.

Viveríamos em verdadeira comunidade. Se fôssemos na rua e tivéssemos frio, alguém se apressaria a dar-nos o seu casaco que não estava a usar, ou se tivéssemos fome, qualquer pessoa partilharia a sua comida connosco. As ruas, já que falamos nisso, estariam sempre limpas, e haveria muitos mais jardins, árvores e zonas verdes, com animais a correr livres de um lado para o outro. Estes animais, seriam da responsabilidade de todos, que os alimentariam à vez, como uma função colectiva. Não existiriam lojas, e as coisas seriam vendidas em barraquinhas ao ar livre, cobertas com lencinhos coloridos e alegres. 

Não haveria constrangimento ou vergonha. Sentados no metro, falaríamos com a pessoa sentada ao nosso lado como se a conhecêssemos. Assim, as pessoas seriam muito mais instruídas e abertas, aprenderiam a respeitar qualquer pessoa, e qualquer opinião. Extrairiam coisas novas das experiências de vida e dos conhecimentos dos outros, e saberiam argumentar e defender os seus pontos de vista de forma muito mais eficaz.

Teríamos paz perpétua. Os exércitos seriam abolidos, e as desavenças políticas resolver-se-iam com o cachimbo da paz, não só permitido como vivamente aconselhado a todos os cidadãos. Como consequência, existia menos problemas de stress, e desapareceriam muitas doenças como depressões e esgotamentos.

 Os crimes também desapareceriam, visto que viveríamos num ambiente de compreensão e respeito ao próximo. Não conseguiríamos fazer mal ao próximo, assim como não teríamos motivos para roubar, já que tudo seria partilhado por todos. Assim sendo, e visto que haveria à vontade com qualquer pessoa, poderíamos viajar à vontade para outras cidades nesse mundo fora, e bastava bater à porta de alguém para pedir abrigo, que este nos seria concedido. Se bem que, na realidade, a maioria das casas-edifício seria substituída por casas-caracol, sem morada fixa, que é como quem diz carrinhas pão-de-forma (movidas a energia solar, está claro!)

O meio ambiente ganharia muito mais importância - deixaria de haver lixo nas ruas, a reutilização de recursos seria algo natural, assim como a reciclagem, e a poupança. Usar-se-iam apenas energias renováveis, e acabar-se-ia com a poluição.

Se o mundo fosse governado por hippies? A política seria algo intrínseco em cada um de nós. Não haveria leis, não seria preciso.

20 setembro, 2010

um bando de hippies e uma carrinha solar

Um bando de hippies e uma carrinha que funciona a energia solar. É isto que (contaram-me) se pode encontrar no Boom Festival, aquele que é, provavelmente o mais bonito festival a acontecer em Portugal. A carrinha, faz viagens desde a Bélgica (ou seria outro país ali perto, não me lembro com exactidão) até ao interior do nosso país, e faz a viagem de volta no fim do festival. Há dez anos que é assim. 

Perante isto, não percebo porque é que continua a haver este tipo de notícias, sobre catástrofes petrolíferas que destroem lentamente a nossa Casa . Se uma carrinha com um sistema solar construído por hippies funciona desde 2000, e para viagens tão longas como Bélgica (ou o outro país que não me lembro) - Portugal , porque raio ainda não temos carros a energia solar em pleno funcionamento?

A pergunta é retórica, que a resposta sei-a bem. Não se paga taxas para usufruir do sol.

09 setembro, 2010

Só se pode lutar por aquilo que se ama, só se pode amar aquilo que se respeita, só se pode respeitar aquilo que pelo menos se conhece.

- (incrivelmente!) Adolf Hitler, in Mein Kampf

22 agosto, 2010

Ela

Queriam os ventos tocar.lhe os cabelos, queria o mar beijar os seus pés. Queriam os trovões conseguir o efeito do seu olhar zangado, queria o sol igualar o brilho do seu sorriso. Queriam os dias correr mais devagar, para não a ver desaparecer na noite, e queria a noite que fosse sempre lua cheia para banhá-la numa luz prateada.

Delicada de sentimentos, mas forte de vontade, deixa marcas profundas por onde passa, naqueles que beija e que adora, naqueles por quem luta e por quem chora. É nela que se escondem as nuvens negras do inverno, que solta quando a ferem. É nela que se deita o doce perfume da primavera, que vai espalhando com a alegria de uma fada.

É ela. Princesa encantada num tempo de bandidos e traficantes de droga. É ela.

Para a Nalu

16 agosto, 2010

Crimes

Que tipo de crime cometeu esse ser alucinado, ao deixar escorrer pela garganta o líquido da felicidade instantânea, ao deixar os lábios sugar o nevoeiro causado pela mãe natureza, erva do diabo queimada. Que tipo de crime cometeu, ao deixar que a voz lhe falte e as mãos lhe tremam, consequência da sua facção incompleta, da sua necessidade de se sentir maior, mais veloz que qualquer outro?

E que tipo de homem é este, que condena outro por ser feliz? Por viver não entre quatro paredes, mas entre os quatro cantos da terra, sujeito a uma outra lei, a lei da vida. Que sonho destrói outro sonho e com que vontade se rouba vontade?


Inventou o Homem a moral, o direito, e a ética, para depois os usar como pretexto para negar liberdade e destruir sorrisos.

03 agosto, 2010

1984, George Orwell




"- Quantos dedos vês aqui Winston?
- Quatro.
- E se o Partido disser que não são quatro, mas cinco... quantos são?
- Quatro.
A palavra acabou numa exclamação de dor. (...) O suor brotara de todo o corpo de Winston. O ar rasgava-lhe os pulmões e saía de novo em profundos gemidos que nem mesmo rilhando os dentes ele conseguia calar.
(...)
-
Estás aqui porque fracassaste em humildade, em autodisciplina. Não queres fazer o acto de submissão que é o preço da saúde mental. Preferiste ser louco, minoria de um. "


1984. Estou a tentar escrever sobre este livro, e parece que me faltam as palavras. Como se essa data encerrasse tudo em si mesma, e a simples junção desses quatro algarismos trouxesse a compreensão.

Este livro foi publicado por volta dos anos 50, numa espécie de previsão do que seria a sociedade do futuro, numa notável crítica ao caminho que a sociedade da época estava a tomar.

Dito assim, parece um daqueles livros chatos, muito rebuscados e difíceis de ler. Não é. Pelo contrário, apresenta-nos uma história engraçada, de um homem que começa a sentir-se revoltado com o mundo em que vive. Um mundo em que o Big Brother, ser omnisciente e omnipresente, "zela" pela população. E com isto quer-se dizer que ele está atento a cada movimento de cada pessoa, 24 horas por dia, não deixando que saiam da normalidade, ou, por outras palavras, que pensem por si próprias. É o pior tipo de sociedade possivel: não há leis concretas que digam o que se deve ou não fazer. Cada um deve presumir o que pode ser encarado com um acto de prevaricação.

O mais incrível é vermos como este livro, de certa forma um completo exagero, pode ser tão coincidente com a realidade actual. O culto da televisão, sempre ligada, sempre a transmitir conteúdos que devem ser aceites como verdades, porque "ignorância é poder"; a vigiância constante; os padrões de normalidade e a repulsa por actos excêntricos; o culto da beleza; o culto da guerra, não para conseguir um fim específico, mas apenas porque "guerra é paz".

Em 1984 os países estão divididos em três grandes potências, que se tentam continuamente superiorizar, uma crítica à guerra fria que então se vivia, e que dividia o mundo em dois blocos, mas que não está nada longe da realidade actual, em que EUA, União Europeia, e China se destacam, correndo pela supremacia do mundo.

Mas tudo isto, repito, se pode descortinar por trás de uma história interessante e que chega a ser engraçada até, com os novos termos e objectos inventados por George Orwell. 1984 é um livro que todas as pessoas deveriam ler, a alguma altura das suas vidas, para reflectirem no significado da sociedade e da nossa própria existência.

29 julho, 2010

Férias






Viver como recicla é das melhores coisas do mundo.

14 julho, 2010

Acreditar

- Amo-te.
- Eu sei, sou perfeita!
- Eu não disse que eras perfeita!
- Disse eu. E chega. Se eu achar que sou, torno-me nisso, nem que seja para mim mesma. Se eu me tornar nisso, sinto-me capaz de tudo, e se me sentir capaz de tudo, não tenho barreiras, e se não tiver barreiras consigo fazer tudo na perfeição.... E torno-me perfeita.

30 junho, 2010

Dia 7: A música que te lembra um certo evento

(deixei passar muito tempo por nao me lembrar de nenhuma música para dos dias 5 e 6, portanto vou passar a frente... )




Num segundo, a sapatilha de sola gasta toca o chão, e levanta-se de novo, para pisar o pedaço de madeira que, qual tapete mágico, voa por esse mundo fora. Nesse segundo, os problemas começam a derreter, descendo pelo nosso corpo em combustão. Pois é! Os problemas surgem na cabeça, mas é pelos pés que se desfazem… Deslizam pelas rodas em movimento, giram duas ou três vezes, e depois vão-se espalhando pelo cimento, para serem pisados por milhares de outros skates, até desaparecerem por completo.

29 junho, 2010

sussurros

Falavam em nós palavras que não compreendíamos. Sussurradas aos nossos ouvidos, eram quase imperceptíveis. Por vezes, duvidávamos se eram elas ou o vento que passava por nós, que nos fazia olhar para trás para ter a certeza se não éramos seguidos, ou se a rua continuava igual, tanto faz, que nestas coisas o que assusta é a mudança. Estugar o passo. Resmungar para dentro com espanto. Tarefas que nos pareciam impossíveis de momento, tal era o cansaço acumulado nas pernas, nas costas, no pescoço. E as palavras iam surgindo, de dentro para fora, de fora para dentro, morrendo entre a língua e os lábios, não chegando nunca a ser ouvidas, a não ser por aqueles que as criavam. Ficava assim o silêncio, o espaço para os nadas. Mais uma vez, não importava. Entre amigos os vazios trazem sempre muita coisa, mais não seja palavras adormecidas que acordam de repente, que se escapam docemente e que sussurram, secretamente, sem nos darmos conta.

07 junho, 2010

Dia 4: A que te deixa triste



A estrada prolongava-se aos zig-zags até ao mar. Os pés calejados pisavam a terra batida com genica, ignorando as pedras que se iam espetando na pele. Quanto mais se aproximava, mais fininha se tornava a terra, misturando-se gradualmente com a areia da praia.

As calças de ganga, dobradas até aos joelhos, estavam já amareladas do uso. A camisa xadrez, completamente aberta, não se sabia muito bem se por causa do calor ou dos botões em falta, certamente arrancados no mesmo evento que lhe rasgara uma das mangas e amarrotara por completo a peça de roupa, deixava ver o tronco nú.

Por entre a juba loira despenteada e a barba de várias semanas, dois olhitos fixavam-se no horizonte. Eram olhos cansados, daqueles que já não esperam nada novo, mas que inundam tudo de uma paixão inata, verdadeira, que penetram as coisas até ao seu íntimo, dissecando-as e deixando-as a descoberto.

Vira milhares de lugares em todo o mundo. Dormira nos melhores hoteis, comera nos melhores restaurantes, vestira as melhores roupas, passara por milhares de pessoas. Mas nenhum lugar lhe agradava mais que aquele, nenhuma roupa lhe dava mais prazer do que aquela. Ninguém era tão importante como a que ali ficara.

Fechou os olhos, e sentiu a brisa que vinha do mar. Sabia que nunca voltaria a vê-la. Ela era o calor que a terra emanava, o efeito óptico que este oferecia, e que fazia o chão mover-se ao longe. Era a liberdade, a rebeldia em pessoa. Imaginou os seus caracóis negros, indomáveis, o sorriso maroto, desafiador, as sardas rebeldes que se espalhavam pelo seu rosto. Viu-a de novo em cima do cavalo, galopando pela areia sem qualquer preocupação, e sentiu orgulho por ser sua filha.

E de repente soube que ela estava ali. Em cada passo descalço, em cada canção entoada baixinho, em cada rasgão da camisa, cada cabelo despenteado, cada calo, cada gesto, cada olhar penetrante. Soube que finalmente conseguira trazê-la de volta, e sentiu-se, de novo, inteiro. De repente, deixara de caminhar sozinho.

01 junho, 2010

O Estrangeiro, Albert Camus



Este é um livro obrigatório da literatura francesa, e depois de ler as primeiras páginas percebemos bem porquê. A história começa quando Meursault recebe um telegrama a informar da morte da sua mãe, que o leva a deslocar-se ao lar onde ela vivia. A questão é que nunca, por um segundo que seja, ele emite uma emoção em torno do acontecimento, sendo que os seus pensamentos se centram, sobretudo, no tempo, no cansaço que sente, e no facto de achar que o seu patrão ficou aborrecido por faltar ao trabalho.

Durante o resto do livro, ele vai sendo colocado em situações semelhantes, em que olha única e exclusivamente para o lado racional da questão. O próprio facto de conhecermos, de Meursault apenas o seu último nome, enquanto que todas as restantes personagens são tratadas pelo nome próprio ou reconhecidas por atributos físicos, faz-nos sentir uma certa distância e frieza da parte dele.

Assim, damo-nos conta do desenrolar de uma história que acontece devido à falta de sentimentos por parte de uma personagem, que é, portanto, um estrangeiro numa sociedade que o julga constantemente à custa disso.

De certa forma fez-me lembrar um pouco Kafka, tanto na caracterização da personagem principal como no próprio enredo, que aludem ao ridículo e ao absurdo, não de Meursault, mas da própria sociedade. Com a diferença que Albert Camus criou um enredo menos metafórico e bem mais plausível, portanto.

É de destacar a cena final, em que a personagem faz um discurso filosófico e introspectivo que nos faz questionar, a nós próprios, se não será ele quem tem razão, e, como todas as grandes obras, questionar um pouco o mundo em que vivemos.

14 maio, 2010

Ética nos Jornais Gratuitos

Ética e Deontologia Profissional. Achava eu que era uma cadeira aborrecida e um pouco inutil, que é básico que um jornal tenha de publicar notícias com base em várias fontes, abordar diferentes pontos de vista, preservar vítimas e a vida privada de cada um. Até que me deparei com este pequenino caso.

Não tenho nada contra jornais gratuitos. Bem pelo contrário: dá bem jeito ter as notícias à mão logo de manhã, para ler nos transportes públicos. Ouve-se é dizer que estes jornais não são tão elaborados como os outros, que há menos cuidado jornalístico, etc, etc. Para mim, eram tretas. As pessoas que nele trabalham recebem dinheiro ao fim do mês, como em todos os outros jornais, e são profissionais, como em todos os outros jornais. Por isso, apesar de serem mais pequenos e abordar os temas de forma mais fugaz, não deixava de ser jornalismo. Até que....

Parece que todas as histórias têm um "até que". O meu, desta vez, veio na terça-feira. Saiu no Metro uma notícia sobre um evento que ia decorrer em Santa Catarina e no Bolhão. Uma semana de música e teatro na rua, que surgiriam de repente para surpreender os trauseuntes., e que começaria já no dia seguinte, quarta-feira. Os responsáveis? A Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo.

Ora este evento interessava-me, por motivos que não vêm agora ao caso, pelo que liguei para a dita escola para saber onde iam estar e a que horas. Da secretaria reencaminharam para o departamento de música, que reencaminhou para um suposto responsável, que ficou de ligar mais tarde, porque tinha de perguntar a outra pessoa que não estava lá. Como estava difícil, decidi contactar directamente os alunos. Uma aluna de música não sabia de nada, pelo que contactei a associação de estudantes, que me disse que devia ser o departamento de teatro que estava a organizar isso. Liguei para uma aluna de teatro. A cena repetiu-se, até arranjar o número de uma professora. Que também não sabia nada.

Quarta-feira chegou, e a baixa teve os mesmos movimentos artísticos de sempre. Nada de música ou teatro do ESMAE. E assim mudou a minha perspectiva sobre Ética e Deontologia Profissional, e a minha visão sobre jornais gratuitos. Pelo menos o Metro, vá.

12 maio, 2010

Tempo

Observação: para ler este post, ter em conta que "bibo" no Porto, se faz favor.

Parece que nos próximos dias vai estar quentinho. Nem uma brisa vai correr no nosso país. Motivo?! Importaram o novo Papa Bento. XVI, ainda por cima. A última edição. Estamos com sorte.

10 maio, 2010

Dia 3: A que te deixa feliz




A chuva cai torrencialmente, escorrendo de camadas negras de nuvens. As pessoas passam, carregadas com sobretudos cinzentos e pretos que lhes pendem dos ombros, dando-lhes um ar cabisbaixo. Os olhos cravam-se no chão. O unico sítio para onde poderiam olhar, aliás, não estivesse o céu escondido pelos grandes pedaços de plástico a que chamam de guarda-chuva.

É então que ela surge, por entre essa panóplia de gentes sem rosto. Vem descalça,o cabelo desgrenhado, as roupas fininhas coladas ao corpo. Não parece importar-se. Olha o céu com a alegria de uma criança, e dança, como se não houvesse mais ninguém senão ela. Os que passam olham-na com desdém. "Um sorriso é a coisa mais barata que existe, e pode mudar a vida de uma pessoa", disseram-me um dia. E ali estava ela, a sorrir. A encher a rua com o arco-iris das suas vestes rodopiando, a encher o dia com o calor da sua presença, da sua simplicidade.

E dança infinitamente, celebrando cada gota de chuva, cada sopro do vento, cada segundo de vida.

para a Nessy

20 abril, 2010

Dia 2: A música que menos gostas



Um dia, o mais provável é tornares-te num chato, deixares de sair à noite e começares a levar-te demasiado a sério. Nesse dia, vais começar a vestir cinzento e bege, pedir para baixar o volume da música e deixar a tua guitarra a apanhar pó. Vais tornar-te politicamente correcto, socialmente evoluído, economicamente consciente. Vais achar que tens de ir para onde toda a gente vai e assumir que tens de usar fato e gravata todos os dias. Nesse dia, vais deixar de beijar em público, as tuas viagens serão mais vezes no sofá e dormirás menos ao relento. É oficial. Vais entrar na idade do chinelo e deixar de ser quem foste até então. Vais deixar de te sentar ao colo dos amigos e vais esquecer-te de como se faz um quantos-queres ou um barco de papel. Vais ficar nervosinho se não trocares de carro de quatro em quatro anos e desatinar se o hotel onde estiveres não te der toalhas para o teu macio e hidratado rosto. Vais tornar-te muito crescido e começar a preocupar-te com tudo e com nada e a não fazer nada porque "vai-se andando" e a vida é mesmo assim. Vais dizer não mais vezes, vais ter mais medo, vais achar que não podes, que não deves, que tens vergonha. Vais ser mais triste. Nesse dia, o mais provável é que também deixes de beber refrigerantes.

Novo anúncio da Sumol

Porque chega um dia em que a música do elevador é aquela que mais ouvimos, e até nos parece agradável.
Quando esse dia chegar, não lhe fales.


18 abril, 2010

Dia 1: A tua música preferida



Gritam em mim milhões de átomos, fazendo explodir vulcões de adrenalina que correm agora por todo o meu corpo. O medo empurra-a pelas minhas veias, atirando suores frios para as minhas costas, fazendo tremer as minhas mãos. O barulho das tábuas a bater no chão inensifica-se milhares de vezes na minha mente. O som de metal contra metal ressoa nos meus ouvidos. Os "Oh!'s" de admiração materializam-se à minha volta. Por momentos, duvido do próprio sítio onde me encontro, do que estamos ali a fazer.

Actos de vandalismo, diriam os outros, os que não sabem, os que não sentem, os que apenas vêm com os olhos voltados para o interior, olhando para si mesmos como seres perfeitos. Tretas. Vísceras e sebo, é tudo o que os preenche, a todos eles. São todos iguais. Fabricados em série, dizem sempre as mesmas coisas, pensam sempre da mesma maneira, cometem sempre os mesmos erros. Não aceitam a nossa determinação em não aceitar, questionam o nosso constante questionar, criticam o nosso criticar. Os seus olhos rolam pelos nossos corpos, saltando dos piercings para as tatuagens, para os cabelos pintados de cor-de-rosa, azul ou verde, para as roupas sujas e o calçado rasgado. Reviram, amplificando cada uma dessas partes até nos tornarem em gigantes maiores do que montanhas. Subitamente, imagens do diabo materializam-se à sua frente. É isso que somos para eles. A destruição, o errado, o não-se-faz.

Pouco nos importa. Ao não-se-faz respondemos com um tanto-faz. Somos aqueles que comem as sobras de comida que outros deixaram para trás, que tomamos banho em fontes quando faz calor, que vamos ao supermercado de pijama para não termos de nos vestir. Somos aqueles que não fazem a cama, que deixamos a roupa no chão, somos aqueles que não têm medo do rir. Se riem de nós, rimos com eles, por se manterem nessa ignorância eterna sem se esforçarem para sair.

A eles, está-lhes vedado o acesso à liberdade, a essa palavra secreta que só nós conhecemos, "trash". Nunca sentirão a adrenalina a correr no seu corpo, o skate sob os seus pés, o vento nas suas faces. Somos o diabo? Somos semi-aves com acesso aos céus mesmo sem ter asas. Juntos, voamos por mundos só nossos, partilhando tudo quanto temos, partilhando a própria alegria, partilhando vida.

Let's dance, let's ear, let's sing.

Vi isto nos blogues do Rui e da Arisu, e pensei que seria uma boa maneira de reavivar este blogue. Então aqui vai - uma música por dia, obedecendo a esta ordem:

Dia 1:
A tua música preferida

Dia 2: A música que menos gostas

Dia 3: A que te deixa feliz
Dia 4: A que te deixa triste
Dia 5: A que te lembra de alguém
Dia 6: A que te lembra de algum lugar
Dia 7: A música que te lembra um certo evento
Dia 8: A que te faz saltar
Dia 9: A que te adormece
Dia 10: Aquela que cantas sempre
Dia 11: Aquela que ninguém esperaria que gostasses
Dia 12: A música da tua infância
Dia 13: A que gostas de ouvir no carro
Dia 14: A que ouves quando estás zangado
Dia 15: A que ouves quando estás feliz
Dia 16: A que ouves quando estás triste
Dia 17: Aquela que gostarias que tocassem no teu casamento
Dia 18: A que gostavas que tocassem no teu funeral
Dia 19: A que te faz rir
Dia 20: A que tem um significado especial para ti (não interessa porquê)

02 abril, 2010

Exame de condução

LISTA PRÁTICA DO QUE EVITAR PARA NÃO REPROVAR:

  • passar um vermelho
  • passar um traço contínuo
  • passar os limites de velocidade
  • atropelar alguém
  • partir um membro
  • ficar em coma
Confusos? É muito simples. Não há, neste momento, qualquer lei que diga respeito a casos em que um aluno não pode conduzir. Ou seja, certifiquem-se, antes de marcar o exame, que não vão ter um acidente, partir uma perna, um pulso, ou ficar em coma, pois se isto acontecer têm de faltar ao exame e estão automaticamente reprovados. Mais, são obrigados a pagar os custos de um novo exame. E é este o estado das coisas num país onde gostam de levar as coisas à letra - "um male nunca vem só", mas também era escusado. É que qualquer dia nem morrer em paz conseguimos!

23 março, 2010

Caminhos

Percorremos lado a lado toda a parte velha da cidade. Olhámos as mesmas coisas, fotografámos os mesmos planos, perdemo-nos nos mesmos sítios. O que um fazia, o outro repetia. O que um pensava, o outro dizia. Quando chegámos à ponte que atravessa a fábrica de energia hidráulica, parámos.

"Conhecemo-nos?", perguntei.
"Não me parece!", respondeu.

E saltei-lhe para os braços, numa súbita demonstração de compreensão e afecto que ele retribui com um sorriso.

"então adeus, desconhecido."
"adeus!", respondeu.

E cada um seguiu o seu caminho, marcados pela existência desse outro ser do qual só nós tínhamos conhecimento.

08 fevereiro, 2010

Igrejas


Isto das igrejas tem muita piada e muito que se lhe diga. É que se as igrejas são a casa de Deus - e que sorte a dele, que tem várias casas em cada cidade, por esse mundo fora! - não se percebem algumas coisas.

Os exemplos que falo em seguida baseiam-se naquilo que apreendi nas igrejas em Itália, que, supostamente, é, ou deveria ser, o país mais ligado à religião de toda a Europa, motivo pelo qual fico ainda mais confusa com tudo isto.

Ou seja, Deus criou Adão e Eva, certo? E estavam nus na altura, pelo que ouvi dizer, certo? Então porque raio é que não se pode entrar na igreja de calções e manga caviada?! Se ele cria pessoas nuas e as deixa a viver assim, não me parece que se vá importar muito de ver umas pernas ou uns braços!

Mas vá, isto ainda seria aceitável, não fosse dar-se o caso de ter descoberto que Deus, tão omnipresente, precisar de tirar umas folgas de vez em quando... talvez para ir espreitar os universos paralelos ou assim... reservou para isso as segundas-feiras, e nenhuma igreja italiana abre neste dia.

Também fecham para almoço, o que é curioso, pois sempre pensei que comer era uma coisa muito humana, e que Deus, como Deus que é, não teria este tipo de necessidades. Ficamos a perceber, portanto, porque é que ele pôs a tal macieira no jardim - era dele e só dele, e Adão não tinha nada que ir lá mexer.

30 janeiro, 2010

Disse Alguém 2

Não há artes menores, apenas núpcias estranhas entre o consciente e o inconsciente, a faísca maravilhosa que resulta do contacto entre a sabedoria e esse esquizofrénico que cada um traz em si e do qual, geralmente, se envergonha.

Jean Cocteau

28 janeiro, 2010

Sentimentos aos pacotes

- Não quero mais - disse - devolvo-te todos os teus sentimentos. Se não os quiseres, deita-os fora.
- A sério? Mesmo? Sabes que nunca mais os tornarás a ver... É mesmo isso que queres fazer?
- Sei bem o que faço! - respondeu com firmeza e rigor, mostrando a arrogância de quem quer deixar o assunto por ali.
E estendeu-me os sentimentos num saquinho de plástico, devidamente embrulhados e empacotados.

27 janeiro, 2010

Disse Alguém

Se o meu silêncio não te diz nada, as minhas palavras são inuteis.

Tempo

Passou os seus dias a construir muros de tijolo. Muros mais altos que o mundo, mais altos que o tempo, que a realidade, que a razão e os sentimentos. Construiu-os, dia após dia, com cada palavra, cada gesto, cada sorriso; cada música entoada no banho, baixinho, para ninguém ouvir; cada desejo guardado entre os lábios, na praia, junto ao mar, esperando que este o leve e o traga de volta, um dia, não na forma de desejo mas no corpo da realidade. E foi amontoando tijolos, tentando sempre superar-se a si mesma, tentando chegar onde nunca ninguém chegou, tentando construir uma muralha da China privada, particular, própria e exclusiva.

Um dia levantou-se uma tempestade, e o muro que a protegia levou com uma rajada de tempo. Não um tempo qualquer, mas aquele tempo que abala todo e qualquer mundo, que traz as recordações, e os sentimentos. Esparramou-se o tempo Passado na muralha, que se desfez toda, qual jogo de Mikado a que tiram o pauzinho de baixo.

Seria suficientemente negativo se caísse apenas, deixando-a de novo no ponto em que começara, sujeita às investidas do exterior a esse ovo em que se fechara. Acontece que os tijolos que sempre se empenhara em empilhar, eram, afinal, de vidro, que com a pressão da amargura se estilhaçaram e caíram, espetando-se nela. Na face, nas mãos, no peito e nas costas, toda ela era sangue, toda ela era vidros, toda ela era tudo esvaindo-se em nada. E o tempo entrou, deixou que chegassem até ela essas recordações e sentimentos que trazia, apertando-a ainda mais contra o chão, numa dor aguda que não a deixava respirar, gritar, ou pedir ajuda.

Assim ficou, estática e muda, sentindo-se corroer pela dor que duplicava a cada segundo. Tic tac. Mais uma vez o tempo a fazer das suas. O tempo Presente desta vez, que não deixa parar o mundo, que continuava, de facto, como se nada tivesse acontecido. "Levanta-te" diziam as vozes à sua volta, "Sê forte!". E ela ali quieta, deitada entre vidros e restos de pensamentos, sem conseguir responder.

Ao sétimo dia alguém duvidou se seria verdade, se estaria realmente acordada, se ouvia ou sentia alguma coisa. Com cuidado, e a medo, lá esticaram um dedinho e tentaram tocar uma parte da sua pele. Duro. Como pedra. Mas ao toque daquele dedo a sua boca abriu-se, inspirou uma golfada de ar, e deu um grito pesado, comprido e lento, como que deitando cá para fora tudo o que fora retido nas suas entranhas, nos seus poros. Toda a dor, toda a podridão, toda a indiferença que lhe tinham prestado, todo o tempo seu inimigo, todas as recordações e pensamentos por ele trazidos, toda a arrogância e julgamento, todos os sonhos, que ali morriam, lentamente.

A seguir, ficou vazia, e também ela faleceu.

20 janeiro, 2010

Lábios de vinho

No carrinho das compras, entre as fraldas e os frascos de maionese e ketchup, uma garrafa de vinho. Comprou-a para dar ao pai, para substituir aquela que foi buscar ao armário na semana passada, quando ele não estava. Sabe, no entanto, que vai bebê-la esta noite, e que voltará ao supermercado pela manhã, para comprar uma garrafa que substitua a garrafa de substituição, que vai beber ainda durante a tarde, obrigando-a a voltar ao supermercado antes do cair da noite.
O armário, esse, continuará vazio eternamente.

11 janeiro, 2010

Silêncio

Os seus olhares tocam-se, percorrem-se desenfreadamente, tentando matar essa sede de vivências partilhadas, tentando combater a persistência do incógnito e o desconhecido. Sorriem. Palavras formam-se nas suas mentes, enrolam-se nas suas línguas e voltam para trás, em forma de silêncio. Escutam-nas, no entanto; partilham-nas. E só os seus olhos respondem, percorrendo esse mar de possibilidades e impossibilidades que se apresentam; tocando-se, uma e outra vez, criando palavras nunca ouvidas, gritando emoções nunca sentidas. Ignoram o mundo à sua volta. Não ouvem o apito do comboio prestes a partir, na estação, uma mãe chorosa a despedir-se do seu filho, a buzina de um carro chamando a atenção a um grupo de raparigas, um piscar de olho atrevido, risinhos envergonhados. Tudo isso está longe, bem longe, algures onde o espaço e o tempo ainda existam, ainda faça sentido. Ele aproxima-se. Os lábios dela abrem-se ligeiramente, e um “olá” atrapalhado sai cá para fora, aos tropeções, matando o silêncio.

Para o Mafi-Mafi.

06 janeiro, 2010

Winx


Sempre me perguntei em que é que raio estavam os criadores deste desenho animado a pensar quando desenharam as bonecas assim?
E depois deparei-me com isto, e ficou tudo explicado:





05 janeiro, 2010

é o que dá viver no Porto

- Estou a ler o Caim
- o quainhe?!
- o Caim!
- pois, foi o que eu disse. mas tás a ler o quaim afinal?

02 janeiro, 2010

Ano Novo, montra nova

Toda a gente sabe que as lojas são coisas demoníacas, concebidas especialmente para nos atrair e nos levar a gastar o nosso dinheirinho em coisas pouco úteis que nunca nos lembrámos de que precisávamos.

Assim, quando entramos num supermercado, os corredores de bens essenciais, como o pão, o leite, a fruta e restante comida, estão ao fundo, obrigando-nos a passar por milhares de estantes cobertas de desejo e pecado. "Leva-me, leva-me", chamam, com as suas cores atraentes e embalagens engraçadas, ou simplesmente através de um autocolante de desconto na parte da frente.

Pior. Põe os brinquedos ao nível do chão, ao alcance de uma criança, que mal lhe põe a mão, não larga mais, e desata num pranto e choradeira que abala o hipermercado todo. Quem não assistiu já a uma cena destas que se acuse.

Mas a táctica de atracção de que vou falar hoje é a do corredor central. Aquele primeiro corredor por onde passamos sempre que entramos no Continente ou no Modelo, e que é, afinal de contas, a montra do supermercado. É que aquele espaço se molda a cada ocasião, cobrindo-se de artigos que nos chamam à atenção porque os achamos, de repente, tão necessários. São os chocolates e peluches no São Valentim, os fatos e as máscaras no Carnaval, as tendas e sacos-cama no Verão, os lápis e cadernos em Setembro, quando começa a escola. A minha questão é: alguém sabe de que se enche a montra no Ano Novo?

Vejo-vos já de olhar perdido, a tentar lembrar-se. Parece ridículo mas é verdade: a maior parte de nós não pensa nisso, nem há assim nada que, de repente, nos pareça essencial nesta época do ano. Não sabem. Desistem. O que há no corredor central para a passagem de ano? Sombras, batons e rimel, tinta para o cabelo, lacas e espumas.