22 novembro, 2010

Relembrando os motivos de querer ser jornalista

O Primeiro de Janeiro
Alberto Pimentel

O Primeiro de Janeiro é como os viajantes que teem de partir ao romper da manhã: passa a noite a fazer a mala.

Quem vae de jornada prepara-se para todas as eventualidades: mette ao sacco seis lenços supranumerarios para uma constipação; a casaca para uma soirée inesperada; um frasco d'agua sedativa para uma nevralgia; dois livros para uma hora d'aborrecimento; os sapatos de borracha para um dia de chuva. Ainda como o touriste, o Primeiro de Janeiro dispõe-se a poder satisfazer todas as reclamações que o assaltem no caminho: para os impacientes leva na mala os telegrammas, para os negociantes as cotações, para os politicos o artigo, para os ociosos o folhetim, para os alviçareiros as noticias, para os interessados os annuncios, e para as senhoras as modas.

 Os passageiros vão sentados no vehiculo; elle vae a correr pelo caminho. Quando o comboyo parte, apparece-lhes nas Devesas; quando chega a Aveiro, encontram-no na estação; quando passa em Coimbra, o Primeiro de Janeiro salta aos vagões e diz aos viajantes engalfinhando-se na portinhola: Aqui estou!

Que prodigio de ubiquidade é este? Como é que o jornal chega primeiro que o homem! Ah! é porque o homem é o barro, e pesa, e o jornal o pensamento, e vôa. Nasceu da faisca electrica e do vapor; é irmão gemeo da locomotiva. O comboyo leva o homem; o jornal o pensamento. O motor d'um é a machina; o do outro o espirito humano. São os passaros da civilisação, as aguias do progresso. Por isso Arsenio Houssaye disse: «O jornal é a ave errante que atravessa o mundo: prendei-lhe a vossa ideia á asa, e a vossa ideia florirá nos mais remotos desertos.»

Nada ha menos complicado que o jornal e mais complexo que elle: é a sociedade, a raça, a civilisação e o seculo. É o thermometro que mostra o grau da vitalidade popular, a lente que reproduz a lucta das gerações, o melhor historiador e a melhor historia.

Poderemos chamar ao Genesis o jornal da creação do mundo, o que nos leva a crêr que esta manifestação do pensamento publico não data unicamente dos tempos de Guttemberg, mas vae pelas idades a dentro procurar origem no fiat creador que deu fórma e movimento ao nada. Á medida que a intelligencia do homem ia profundando a sonda n'este mar de bellezas infinitas que o verbo creador espraiou entre as balisas do universo, e se foram arando os mares, e desbravando as florestas, e povoando cidades e consolidando imperios, a vida das nações tomou um incremento que se não poderia registar em longas chronicas, como os commettimentos da antiguidade, senão que dia a dia, hora a hora, momento a momento. A personalidade moral do homem dilatou-se e, na impossibilidade material de estar em toda a parte, diffundiu o seu pensamento em particulas que voaram aos grandes centros attrahidas pela gravitação que regula a harmonia das sociedades. Então o jornal renasceu de si mesmo, multiplicou-se, e começou a collaboração universal dos povos á beira da prensa d'onde todos os dias parte o mensageiro alado a sacudir da plumagem as ideias que o homem lhe prendeu. É o correio do mundo, o postilhão dos seculos; anda sempre e não cança. Cada geração tem o seu temperamento collectivo, as suas paixões, as suas luctas, os seus revezes e os seus triumphos. O jornal, que é tudo isso, irá resuscitando amanhã do tumulo que se fechou hontem, e acompanhará o movimento febril das gerações que se succedem. 
 
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