16 novembro, 2010

Por do sol

O sol punha-se lá fora, mas há muito tempo que as cores se tinham esbatido, ficando apenas a sensação da passagem do claro para o escuro. Tremeu. Tinha sempre medo quando se aproximava esta hora, quando finalmente lhes era permitido usar as casas-de-banho. Os buracos rudimentares, cerca de trinta ou quarenta, lado a lado. Nunca na sua vida tinha pensado que chegaria a esse ponto, de ter de partilhar estes momentos com desconhecidos! Que agora já não eram desconhecidos, de todo, apesar de não saber os nomes de mais que três ou quatro. Também não fazia grande diferença – ali eles não passavam de números. Os nomes, esses, tinham ficado do outro lado da cerca de arame farpado, juntamente com toda a sua vida: a sua casa branca, não muito grande, mas sempre cheia de alegria, os risos dos filhos, o sorriso de Agnieska. Como sentia saudades deles! Há meses que não os via. Ou seriam anos? Ali o tempo passava de uma forma estranha, e não havia forma de o contar. Nem havia qualquer interesse. Cada dia era mais uma batalha, uma tentativa de chegar vivo ao dia seguinte. Passou por entre os ratos e escolheu um buraco vazio – tinha de defecar o mais rapidamente possível. Ao lado, os companheiros aceitavam as mordidelas das pequenas bestas com gritos de terror. Ser mordido significava, muito provavelmente, ficar doente. Mas nem isso eles perdoavam – doente ou não, o trabalho tinha de ser feito. Por vezes, quando alguém estava em tal condições que não conseguia trabalhar, era levado pelos soldados, e nunca mais era visto por ninguém. Não se sabia ao certo o que lhes acontecia, mas parecia mais aterrador descobrir que continuar nesse dia-a-dia mesquinho. Um dia talvez o céu voltasse a ter cores, um dia talvez saíssem de Aushwitz, e recuperassem a honra perdida. Por enquanto, não havia diferença entre ele e aquilo que acabava de cair no buraco por baixo de si. 


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