28 agosto, 2011

Cem Anos de Solidão, Gabriel Garcia Marquéz

São cem anos de Buendía, a "família de loucos" que repetem uns após outros as mesmas façanhas, os mesmos erros. São cem anos de Macondo, a terra que eles próprios inauguraram e que vão vendo evoluir com a chegada dos ciganos, dos turcos, das francesas e dos americanos que gerem a companhia bananeira.
 
Se ao princípio ficamos simplesmente com a sensação de que estamos a ler uma série de disparates com uma certa piada, à medida que o monte de páginas se torna maior junto à capa do que à contra-capa percebemos que há ali algo mais do que uma simples história de uma família e de um lugar. Estamos perante uma história de avanços e retrocessos próprios da evolução humana - casar, ter filhos, morrer; revoltas e progressos tecnológicos, alfabetização, analfabetização, a influência do tempo, do governo, do exército. É uma critica à política, à família, à guerra, ao casamento, à tecnologia, ao estudo e ao lazer, à forma como os homens conduzem o seu mundo. Um apelo mudo em forma de gracejo. 
 
De facto, Garcia Marquez não se poupa ao criar as situações mais bizarras e os enredos mais espectaculares, dando à história um humor muito sul-americano que encontrei nos livros de Mário Vargas Llosa e Laura Esquivel. É este humor que vai servindo de cola unificadora da história - é ele que nos prende à história e nos vai passando a crítica, que nos vai mostrando o quão ridículo somos.

É um retrato real de um mundo que se vai criando e destruindo a si próprio, em que as pessoas esquecem  as pessoas e são alimentadas por sentimentos egoístas, num ciclo vicioso que se vai repetindo sucessivamente. Para acentuar esta ideia, Garcia Marquéz criou toda uma gama de netos e tetra-netos cujos nomes se vão alterando entre Aureliano, Arcadio e Amaranta, cujos destinos se vão fotocopiando. E  que somos nós todos senão uma cambada de Aurelianos e Amarantas?

23 agosto, 2011

Igualdade

Se fôssemos estrunfes seriamos verdadeiramente todos iguais, e distinguir-nos-iam apenas pelas nossas características pessoais. 
Vamos todos comprar chapéuzinhos brancos?

22 agosto, 2011

Sobre o exército e a guerra

 "Ainda que tenham demorado mais de uma hora a passar, podia ter-se pensado que eram apenas alguns pelotões a andar às voltas, porque eram todos idênticos, filhos da mesma mãe, e todos suportavam com igual estultícia o peso das mochilas e dos polvorinhos e a vergonha das espingardas com as baionetas caladas e  tumor da obediência cega e do sentido da honra."
 Gabriel Garcia Marquéz in "Cem anos de Solidão"


Encontrei finalmente alguém que concorda comigo.

20 agosto, 2011

"Chegou o Verão!"

Nunca soube exactamente que fenómeno me levou a repetir esta frase de ano para ano, na altura em que a estação das flores e dos amores dá lugar à dos gelados e sapatos cheios de areia. O que é certo é que o prognóstico sempre veio, mas nunca aliado a questões como o calor abrasador, o ar pesado, difícil de respirar, que nos faz dar voltas e voltas na cama sem conseguir adormecer. Esse vinha sempre dias depois, como que para confirmar o meu vaticínio. Havia qualquer outra coisa, um outro sinal enviado pelo universo e captado pelas minhas antenas sensoriais.
 
Só o percebi este ano, quando, longe de casa, não encontrei Verão. As roupas decresceram, os gelados tornaram-se parte da dieta diária, mas ainda não conseguia dizer o nome dessa estranha estação. Às vezes, estamos tão perto das coisas e tão acostumados a elas que deixamos de as ver. Passam a ser objectos naturais, hábitos diários, produtos da nossa personalidade. É preciso sair dessa bolha e sentirmo-nos um pouco despidos, desprotegidos, para lhes dar a atenção e importância que outrora negligenciamos.

 Quando voltei a casa depois de tantos meses fora, era um fim-de-tarde dourado e a minha avó estava no quintal a regar as plantas. Trazia um avental pendurado no pescoço, o rosto sereno, marca do cansaço de quem cumpre as tarefas diárias. A água saía a jorros pela mangueira e era imediatamente absorvida pela terra e laranjas caídas no chão. E aí escapou, sem que para isso eu tivesse de fazer qualquer esforço: “Chegou o Verão!”.

 Afinal, tratava-se dessa  massa fina que me entra pela janela todos os fins-de-tarde, arrastada por uma brisa abafada que se entranha nas cortinas e nos lençóis – o cheiro a laranjas e terra molhada, o cheiro do Verão.