São cem anos de Buendía, a "família de loucos" que repetem uns após outros as mesmas façanhas, os mesmos erros. São cem anos de Macondo, a terra que eles próprios inauguraram e que vão vendo evoluir com a chegada dos ciganos, dos turcos, das francesas e dos americanos que gerem a companhia bananeira.
Se ao princípio ficamos simplesmente com a sensação de que estamos a ler uma série de disparates com uma certa piada, à medida que o monte de páginas se torna maior junto à capa do que à contra-capa percebemos que há ali algo mais do que uma simples história de uma família e de um lugar. Estamos perante uma história de avanços e retrocessos próprios da evolução humana - casar, ter filhos, morrer; revoltas e progressos tecnológicos, alfabetização, analfabetização, a influência do tempo, do governo, do exército. É uma critica à política, à família, à guerra, ao casamento, à tecnologia, ao estudo e ao lazer, à forma como os homens conduzem o seu mundo. Um apelo mudo em forma de gracejo.
De facto, Garcia Marquez não se poupa ao criar as situações mais bizarras e os enredos mais espectaculares, dando à história um humor muito sul-americano que encontrei nos livros de Mário Vargas Llosa e Laura Esquivel. É este humor que vai servindo de cola unificadora da história - é ele que nos prende à história e nos vai passando a crítica, que nos vai mostrando o quão ridículo somos.
É um retrato real de um mundo que se vai criando e destruindo a si próprio, em que as pessoas esquecem as pessoas e são alimentadas por sentimentos egoístas, num ciclo vicioso que se vai repetindo sucessivamente. Para acentuar esta ideia, Garcia Marquéz criou toda uma gama de netos e tetra-netos cujos nomes se vão alterando entre Aureliano, Arcadio e Amaranta, cujos destinos se vão fotocopiando. E que somos nós todos senão uma cambada de Aurelianos e Amarantas?