29 março, 2011

Animal Farm (A quinta dos animais), George Orwell

Quando os animais de Manor Farm se apercebem que estão a ser escravizados pelo Homem, decidem rebeliar-se e governar eles mesmos a quinta. Os porcos, que eram os mais inteligentes, rapidamente aprenderam a ler e a escrever e começaram a ditar que resoluções tomar, criando uma nova sociedade, o Animalismo, baseada na igualdade de todos os animais, em que todos os animais trabalhariam para se governar a si mesmos. No entanto, com o poder a subir-lhes à cabeça, os porcos começam a distanciar-se dos restantes, criando uma pequena ditadura.

Não será preciso dizer que este pequeno conto é uma crítica directa ao comunismo de Estaline, sendo que todos aqueles que ouviram falar deste livro o devem já saber de antemão. No entanto isto não arruina a leitura, que nos faz sentir agradavelmente surpreendidos com a forma como o autor conseguiu simplificar todas as linhas estruturais deste regime e encaixá-las nesta alegoria. Desde coisas simples como a polícia privada, e o afastamento relativamente ao exterior, considerado "o inimigo", até à alteração constante dos decretos primeiramente elaborados, de forma a servirem os seus objectivos, a forma como os animais são persuadidos a substituir as suas memórias por acontecimentos fictícios, permitindo um constante aumento de poder por parte dos porcos.

Animal Farm é, portanto, mais uma história ao estilo de Orwell, em que somos teletransportados para um mundo fictício em tudo semelhante ao nosso, onde a crítica é o principal objecto da história. É importante lembrar que este livro foi publicado em 1945, apelando para uma realidade actual, de que muitos ainda não estavam conscientes. 

No entanto, e apesar de se falar unicamente da crítica de Orwell ao regime Soviético, há que reparar que os restantes animais são continuamente conotados de estúpidos, incapazes de aprender mais que as duas ou três primeiras letras do alfabeto, e que foi a sua principal diferença relativamente aos porcos, realçando assim a importância da educação e do ensino para evitar ser corrompido e enganado. Também o final do livro deve ser tido em conta, em especial a última frase, quando se verifica que  afinal o Animalismo acabou por se tornar semelhante ao "governo" original da quinta, restando a pergunta: não estará Orwell a criticar igualmente o capitalismo ocidental?

23 março, 2011

Cansaço

É uma doença grave que pode atingir qualquer pessoa em qualquer idade ou profissão. Conheça aqui os tipos de cansaço existentes e como curá-los!

O cansaço físico. Ocorre após um esforço muscular fora do habitual - o que inclui a prática de desportos, mas também os simples passeios anuais ao ar livre, na praia ou na montanha, ou até quando se segue a namorada pela cidade toda à procura de sapatos.  

Como verificar se se sofre deste tipo de cansaço? Em consequência do desgaste a que o corpo foi exposto, o indivíduo chega a casa e atira-se para cima da cama, olhando o infinito. Por vezes, querendo dissimular o estado agravado da sua doença, liga a música ou televisão, ou pega numa revista. Se for este o caso, experimente perguntar ao individuo qual a banda que está a ouvir, ou qual o assunto do programa/artigo que está a ver/ler. O indivíduo reage dizendo palavras soltas, atabalhoadas, e depois acaba por repetir a última frase dita ou ler o título do artigo. 

 Se conhece alguem que sofre deste caso, ou se este é o seu caso, não se preocupe. Esta é uma doença de grau 5, que pode ser facilmente curada com uma boa noite de sono. Para evitar chegar a este estado de doença experimente a prática de pequenos esforços físicos regulares.

 O cansaço psicológico. Resultado do trabalho intenso do cérebro durante horas, a consulta de documentos,  a procura constante de soluções. Normalmente ligado a uma qualquer espécie de deadline.
O indivíduo que sofre desta doença é facilmente identificável por queixar-se sistematicamente que "tem de trabalhar", pelo consumo excessivo de café/bebidas energéticas, e por ficar acordado noites adentro ou acordar às 5h/6h da manhã para executar o dito trabalho. 

Mais uma vez este não é um caso de grande preocupação, visto que normalmente o trabalho tem um fim, levando a uma auto-cura. No entanto, sendo esta uma doença de grau 4, há uma maior dificuldade em alcançar o descanso.Visto que as actividades praticadas pelo sujeito são, normalmente, executadas enquanto sentados, não se regista uma actividade física do corpo. Assim, apesar de o sujeito se sentir finalmente livre do peso que tinha em cima, e de o seu cérebro estar centrado unicamente em dormir, o João Pestana não chega.  Uma boa forma de ajudar este individuo é fazê-lo ver telenovelas ou filmes americanos, para que o seu cérebro fique em estado vegetativo e descanse, mesmo que se dormir. Eventualmente, o sono acabará por vir.

O cansaço-de-não-fazer-nada, normalmente diagnosticado em fase precoce pelas mães. O sujeito que sofre deste mal é um ser uno com a cama/sofá onde permanece a tempo inteiro, e deixá-lo torna-se um esforço sobre-humano - quase como afastar as pernas uma da outra, tentando dividir o corpo em dois. As necessidades básicas são, para aquele que sofre desta doença, um desafio diário que, se tiver sorte, conseguirá ultrapassar, e sobreviver durante mais algum tempo.

Como reconhecer os sintomas desta doença? O indivíduo que sofre deste tipo de cansaço tende a dormir entre dez a doze horas diárias, sendo que por vezes o acto de dormir é repetido várias vezes no mesmo dia. O indivíduo adia durante horas a ida à casa de banho, alegando que ainda consegue aguentar. Tende a alimentar-se de cereais, bolachas, chocolates, ou outros tipos de alimentos que não precisem de preparação prévia (as pizzas encomendadas por telefone estão incluídas neste grupo).

O cansaço-de-não-fazer-nada  é uma doença do tipo 2, sendo incluído no grupo das dependência  -quanto mais tempo se passa no sofá, mais difícil se torna largá-lo.  Ultrapassar esta doença é possível, mas não sem consequências físicas graves, tais como queimaduras solares e músculos das pernas doridos. São no entanto verificadas recaídas em quase 90% dos casos, principalmente se o indivíduo não for medicado com Motivação ®.

O cansaço-feliz. O indivíduo queixa-se dos vários tipos de cansaço acima referidos, no entanto não se sente uma pressão negativa ou qualquer tipo de desmotivação. Pelo contrário, sente que todas as actividades realizadas são  úteis e sente-se realizado por as poder cumprir. Um acto comum daqueles que sofrem desta doença é abdicar do seu tempo livre em prol do trabalho, muitas vezes sacrificando os fins-de-semana e as férias, e horas extras. Muitas vezes estão associados, para além do emprego, a outros grupos onde possam executar este tipo de actividade.

Esta é uma doença de grau 1, sendo que a cura ainda não foi encontrada. Esta passa por tentar ultrapassar o cansaço físico e psicológico de que o doente se queixa, mas que acabam sempre por continuar lá devido ao excesso de actividade do mesmo. No entanto, cortar as actividades coloca o doente em estado de depressão ou mesmo cansaço-de-não-fazer-nada, sendo que neste caso se queixa de querer fazer alguma coisa mas não poder.

17 março, 2011

Resolução "à rasca"

Já estou há algum tempo para escrever sobre aquele que parece ser o assunto do momento, mas achei abster-me mais um pouco para ver no que é que tudo isto dava. E isto chegou a um ponto que não posso fugir mais ao assunto, principalmente quando vou acabar a licenciatura este ano, tornando-me parte bem activa desta "geração à rasca". 

Um dos argumentos que mais vi entre os opositores a esta luta social, é que há de facto emprego para quem queira trabalhar, e que nós, preguiçosos, é que não fazemos um esforço para o procurar. E de facto têm razão, não faltam aí lugares nas cadeias alimentares e lojas de roupa de centros comerciais. Esquecem-se, no entanto, que o que é por nós reivindicado é o direito de trabalhar na nossa área, de trabalhar naquilo para o qual estudamos e para o qual temos conhecimento. Ninguém se sente realizado por ser o trabalhador do mês no Mcdonalds, e ter a sua fotografia na parede do estabelecimento, peço desculpa. Mas mesmo que puséssemos de lado a ambição e nos contentássemos em fazer fast-food o dia todo, o nosso CV impedir-nos-ia, e a candidatura viria para trás com a justificação "demasiado qualificado".

Pois é. Continuamos a virar-nos para o lado errado, a apostar em dinamizar a falta de pensamento, a estupidificar um povo já de si estupidificado - são as Novas Oportunidades, em que se o 9º ano de escolaridade a qualquer pessoa que se mostre capaz de sintetizar a sua vida, enquanto que os outros, os que apostam no ensino regular, andam a aprender funções matemáticas, pormenores sobre o funcionamento do corpo humano, a ler os Lusíadas. Que se eu soubesse tinha guardado o diário que a minha avó me ofereceu quando aprendi a escrever, onde apontava rigorosamente todos os acontecimentos do dia. Se calhar tinha feito o ensino básico num ano, e, sem motivo para não ser aceite, acabaria a trabalhar à frente da Pepe Jeans, considerada uma pessoa lutadora, de facto. 

Mas a minha pergunta agora é, até quando é que eu poderia dobrar roupa, fazer hambúrgueres, receber dinheiro e entregar o troco? Racionalmente falando, até à idade da reforma. Socialmente falando, até me aparecerem as primeiras rugas e cabelos brancos, e me descaírem ligeiramente os seios. Porque nessas cadeias procura-se gente nova, e é esse o verdadeiro motivo pelo qual há sempre emprego nesses lugares. E agora digam-me. É isso que queremos?

Quando era pequenina, (e continuo a fazê-lo ainda hoje, mas isso é outro assunto) perguntava  sempre porque é que os jogadores de futebol e as modelos recebiam tanto dinheiro. "Porque quando chegam aos 40 anos perdem a beleza/capacidade física e deixam de ter emprego. Guess what, Sherlock? Estamos na mesma situação, e não recebemos mais por isso. Bem pelo contrário, somos vistos como  meninos mimados habituados a ter dinheirinho fácil. 

No último livro que li, As aventuras da menina má, há uma frase que não me saiu da cabeça, quando Ricardo, o protagonista, passa por uma fase de dificuldade económica e diz, desesperado, que passou a ir ao cinema apenas uma vez por semana. Pois é. Eu nunca tive dinheiro para ir ao cinema uma vez por mês sequer, mas eu é que sou da geração mimada. É um facto que existem estes casos, que não são, de todo, uma generalidade, e que podem ser automaticamente excluídos da geração à rasca , já que os  os papás lhes arranjam cunhas para todos as empresas e postos de trabalho que eles queiram. 

Se por acaso nascemos na família errada, (ou se não formos um jogador do Porto, que, com 17 anos, tem a renda da casa paga pelo clube, e ainda recebe mil euros por mês para derreter em bebidas alcoólicas nas discotecas que frequentam duas a três vezes por semana, e roupas de marcas caras que gostam de exibir em público para se sentirem melhor com a sua incapacidade intelectual avançada) somos provavelmente trabalhadores-estudantes, à espera da bolsa de estudo ou já endividados num crédito qualquer, para poder pagar os mil euros de propinas, que o desgraçado do jogador do Porto acha pouco para sobreviver durante um mês. 

E quando chegamos ao fim, descobrimos que não há emprego. Não vamos no entanto fingir que isto é uma coisa nova, quando fomos avisados desde o início.  Lembro-me  perfeitamente que desde o início do secundário que os professores nos avisavam da falta de emprego que afecta todas as áreas, de nos dizerem que se quisermos progredir teremos de ser dinâmicos, criativos, elásticos, saltar de um posto para outro, quais sapinhos à procura de insectos. E a culpa é de uma sociedade conformada, uma sociedade que continua a dar mais valor ao aspecto físico do que às qualidades, que continua a tratar o futebol como uma religião. O dinheiro continua a ser mal canalizado, os empregos continuam a ser dados a conhecidos, muitos deles sem o mínimo de conhecimentos na área, a fazer um trabalho mal feito que faz deste país, mais uma vez, um país de estúpidos.

Mas a solução, meus amigos, não passa por ir para a rua agitar umas bandeiras e cantar durante uma tarde. Isso é mais uma forma de nos fazermos de burros. Acreditarmos que fizemos alguma coisa, e voltarmos para casa contentes e realizados, e mais uma vez conformarmo-nos com a situação. Que ao governo, tanto se lhes dá como se lhes deu se saímos todos à rua ou ficamos em casa durante uma tarde. A solução, é mudarmos este sistema, mudarmos esta sociedade, deixarmos de nos fazer de estúpidos e começar a pensar e agir de verdade. 

Como? Não sei. Se soubesse, era a primeira a levantar-me para fazer a revolução.

16 março, 2011

As travessuras da menina má, Mario Vargas Llosa

Ricardo vê cumprido, muito cedo na vida, o sonho que sempre alimentara de viver em Paris. Mas o reencontro com um amor da adolescência mudará tudo. Essa jovem, inconformista, aventureira, pragmática e inquieta, arrasta-lo-á para fora do estreito mundo das suas ambições.

Quando comecei a ler este livro, tive a sensação de que era aborrecido. Parecia-me mais um romancezinho comum, com uma história centrada no casal, desde os tempos mais primórdios até ao fim das suas vidas. No entanto, à medida que progredimos na leitura, descobrimos que o autor consegue abster-se da história principal, fazendo quase um retrato social da Europa do ultimo século.  Intercalando os encontros e desencontros do casal, contempla-nos com as suas aventuras em diferentes épocas, cidades e sociedades, descrevendo-as e esmiuçando-as com todos os seus positivos e negativos: desde um Peru em revolução constante à Londres dos hippies e a Paris dos artistas.

Não nos deixemos, no entanto, enganar. Estas descrições são de tal modo agradáveis, engraçadas e deliciosas, que quase que arrancamos imediatamente em busca de um bilhete de avião para lá, se fosse possível regressar ao passado. Mais, o autor presenteia-nos, ao mesmo tempo, com um leque de personagens caricatas, muito especificas, com as quais não podemos deixar de simpatizar, cada qual à sua maneira . Mesmo com os dois protagonistas principais, a menina má, que não se cansa de nos aborrecer com as decisões que toma, e o Ricardo, por ser tão parvo e estar sempre lá para ela, mesmo quando ela não se cansa de brincar com os sentimentos dele.

Se alguma coisa há a apontar à história, será, talvez, alguma insegurança um bocadinho antes do final, em que muitos pensamentos e ideias são repetidos, que, embora se justifiquem, poderiam ter sido explorados de outra forma.

"As travessuras da menina má" é assim uma história de múltiplos rostos, múltiplas personalidades, múltiplos quadros e situações sociais. Uma história ideal para quem, mais do que histórias de amor, gosta de se perder em multiplicidade cultural.

11 março, 2011

Sentimentos Amordaçados


Amordaçamos os sentimentos que tínhamos, repelindo-os contra as paredes de um quarto sem janelas ou portas. Arrumamos as memórias nas estantes mais altas, onde nem em bicos de pés lhes poderíamos chegar. Fumamos os esqueletos cremados de antepassados, urgindo em nós uma ânsia de sucesso incontrolável. Sermos mais. Não que nós mesmos mas que dos outros, mostrando-lhes caras que muitas vezes não temos, frutos que nunca colhemos… Nós que nos achamos senhores do mundo, da razão ou da ciência, quando são eles que nos têm na palma da mão.

O sítio onde crescemos, que dita a nossa língua, que decide se daremos um beijinho, um abraço ou um aperto de mão ao próximo conhecido que encontrarmos na rua. O sítio para onde nos mudamos, os amigos que ficam para trás, os que vão ficar, num macabro sorriso que nos deita esse que pensávamos possuir. Que o mundo não é nosso mas nós dele, que por muito que diminuamos as distâncias elas continuam lá. 

As ideias que temos, os muitos “por que” e “talvez” que damos a nós mesmo, quando deitados no escuro esperamos que o sono venha. E pensamos que a acção é nossa, que tomamos determinada decisão porque quisemos, quando afinal foi ela, com a sua naturalidade e discrição. Foi ela, e não nós, que nos fez falar, nos fez saltar o abismo, que nos impediu de avançar. Que ela está em todo o lado, que tudo e todos têm as suas razões.

Esses objectos estranhos que nos poupam o esforço, que nos teleportam para o outro lado do mundo. Que quem nos controla são eles, que se nos faltam passamos a inúteis, obsoletos. Que acreditamos conversar com alguém quando na verdade interagimos com uma máquina, e morre nela toda a magia do timbre, da entoação, do ritmo. Morre nela a voz e morrem as amizades, das quais abdicamos, trocando-as lentamente por esses objectos que julgamos dominar. 

E como pode este pateta homem, esta amostra ignorante de Ser, achar que consegue controlar as emoções? Que se não o faz com as verdades da Terra, nunca o fará com as verdades do Homem. Que um dia abre-se um buraco na parede onde as guardamos, e cai a estante com as memórias, que, lá em cima arrumadas, esquecemos que possuíamos. Cai, mesmo em cima do nosso pé, amassando os ossos sem desdém, rasgando a pele nua com brutalidade. E aí estão de novo libertos, as memórias e os sentimentos, e finalmente vemo-nos como eternos Zé-Ninguém, e a eles como cavalos selvagens, indomáveis, prontos para se soltar a qualquer momento e nos dar um coice. 

Quando isso acontece, dói.