Ultimamente tem-me dado a nostalgia das pessoas que partem. Ao percorrer essas ruas que já me parecem minhas, vou reparando nos pormenores a que não se dá importância quando se passa pelos mesmos sítios todos os dias. Os olhos verdes do pedinte à porta do supermercado, que tão amavelmente me saúda com um "bom dia"; o nevoeiro que cobre a ponte de manhã cedo, deixando-a meio desamparada, pendurada sobre uma espécie de nada; o gato escanzelado que se esfrega nas paredes ou se lambe ao sol a tentar livrar-se das pulgas.
"Porque é que não trouxe a minha máquina?" queixo-me mentalmente ao aperceber-me destas cenas. Mais do que memórias, é essa fealdade que procuro, essa sujidade depravada que a torna numa bela imagem. Que as memórias, essas, não me arrependem do meu acto de desprendimento final.
Não vou sentir saudades do barulho da rolha a saltar da garrafa, ou do cheiro a vinho que ao fim do dia permanece nas minhas mãos. Não vou sentir saudades de procurar no armário a garrafa certa, do som do vidro a penetrar a caixa de cartão. Assusta-me mais o facto de não mais ouvir o eco metalizado dos meus passos sobre o aço trabalhado de Eiffel, enquanto se impõe a calma dessa paisagem de casinhas encavalitadas umas nas outras, o poema eterno de Rui Veloso.