Subiu a rua. Chegou lá acima ofegante. Mas esse cansaço já
não o afectava. Com esse cansaço podia ele bem. Era aquele tipo de sentimento
que se cura na cama, durante a noite, depois de mais uma sessão de sexo furioso
com aquela mulher que chamava sua, e que servia mais como anestesia do que
fonte de prazer.
O outro não podia ele curar. Aquele cansaço que o fazia
hesitar entre saltar ou não sempre que chegava ao décimo terceiro andar em que
trabalhava, seis virgula cinco dias por semana, e consultava a sua agenda. 8h15:
relatório mensal. 9h: reunião com a direcção. 10h30: pausa para o café. 10h40:
defecar. Não havia actividade que ela esquecesse, e se esquecesse é porque não
havia tempo para ela.
Sim, esse cansaço coparado com o outro não era nada, e quase
se riu por estar a ofegar, por se “sentir cansado”. A agenda dizia “não há
tempo para estar cansado”, o director da empresa dizia “não há tempo para estar
cansado”, a sociedade dizia “não há tempo para estar cansado”, mas ali estavam
as pernas dele a gritar cansaço, e esse, apesar de curável, ele não podia
evitar.
E então riu-se alto. Deu uma gargalhada para o infinito e
sentou-se no cimo da rua, a olhar a paisagem em que nunca tinha reparado,
enquanto desfazia uma a uma as páginas da agenda e bradava “19h30: horas de
descansar!”.
O seu nome era para surgir nas notícias, dias depois, entre
um roubo a uma joalharia e as caras dos jogadores que mais golearam na última
jornada. Mas o noticiário atrasou-se, e para cumprir os horários passou-se essa
notícia à frente. Ninguém teve tempo para reparar na diferença.