Há no mundo estranhas ligações que não conseguimos explicar e a que chamamos de coincidências. Coisas que acontecem, parece-nos, por mero acaso, e que vão tocar precisamente naquele ponto, que, noutros mil, não queríamos que tocasse. Coisas que vão juntar pessoas que conhecíamos mas não tinham qualquer relação entre elas. Coisas que nos acontecem precisamente a nós e a mais ninguém, naquele dia em que não podia, simplesmente, acontecer.
Coincidência ou não, a verdade é que, desde que se descobriu os esquemas do senhor Manuel Godinho, tem surgido um grande número de notícias religiosas na imprensa diária. E não são as banais notícias em que a igreja dá o seu parecer sobre medidas do estado, apesar da laicização se ter dado já em 1911. Bem pelo contrário. Temos padres que possuem armas ilegais para tráfico, outros que deixam morrer os pombos à fome, e até temos, imagine-se, igrejas à venda. É caso para dizer “Oh meu Deus! Onde é que este mundo vai parar?!”.
Dirão os mais cépticos em coincidências, que este é, precisamente, o objectivo. Que é melhor ficarmos com esta ideia na cabeça, do que aquela que ficaria se lêssemos o caso Face Oculta chapado na primeira página, sozinho: “Portugal é um país de corruptos.”.
É, da parte da igreja, uma forma de se redimir, já que o Godinho, tantas vezes enquanto oferecia carros e maços de notas aos seus funcionários, rezava a Deus, para que tudo isso ficasse em segredo divino. Não teve Deus piedade, e agora quem se ressente é a instituição, que tem de sofrer estes sacrifícios. Se bem que até ficam a ganhar, já que, pela primeira vez desde há muito tempo, todos os portugueses estão a invocar o Senhor.
Mas agora que pensamos bem, este relacionamento não é, de todo, de admirar. Afinal há, entre aqueles que praticam trafulhices e aqueles que dirigem o património do divino uma mesma preocupação: o dinheiro. Os primeiros, chantageando e falsificando dados. Os segundos, abrindo barraquinhas de recordações, onde vendem postais e velinhas, ou, em último caso, pondo a casa de Deus à venda. O que vendo bem as coisas nem é assim tão mal pensado. Se as casas de jogadores de futebol e estrelas de cinema valem o que valem, imagine-se só quanto valerá a da entidade máxima do universo!
Quanto ao empresário de Ovar, o processo vai ficar inconclusivo, já que, ao que parece, a justiça anda de olhos tapados – provavelmente por cheques grandes o suficiente para esconder todo este estado de coisas. Nada que se repreenda, já que, no fundo no fundo, seja de um lado ou do outro, tudo acaba da mesma maneira. Dez pais-nosso e vinte ave-marias, e também Deus esquece a omnisciência e fecha os olhos ao pecado.