07 junho, 2010

Dia 4: A que te deixa triste



A estrada prolongava-se aos zig-zags até ao mar. Os pés calejados pisavam a terra batida com genica, ignorando as pedras que se iam espetando na pele. Quanto mais se aproximava, mais fininha se tornava a terra, misturando-se gradualmente com a areia da praia.

As calças de ganga, dobradas até aos joelhos, estavam já amareladas do uso. A camisa xadrez, completamente aberta, não se sabia muito bem se por causa do calor ou dos botões em falta, certamente arrancados no mesmo evento que lhe rasgara uma das mangas e amarrotara por completo a peça de roupa, deixava ver o tronco nú.

Por entre a juba loira despenteada e a barba de várias semanas, dois olhitos fixavam-se no horizonte. Eram olhos cansados, daqueles que já não esperam nada novo, mas que inundam tudo de uma paixão inata, verdadeira, que penetram as coisas até ao seu íntimo, dissecando-as e deixando-as a descoberto.

Vira milhares de lugares em todo o mundo. Dormira nos melhores hoteis, comera nos melhores restaurantes, vestira as melhores roupas, passara por milhares de pessoas. Mas nenhum lugar lhe agradava mais que aquele, nenhuma roupa lhe dava mais prazer do que aquela. Ninguém era tão importante como a que ali ficara.

Fechou os olhos, e sentiu a brisa que vinha do mar. Sabia que nunca voltaria a vê-la. Ela era o calor que a terra emanava, o efeito óptico que este oferecia, e que fazia o chão mover-se ao longe. Era a liberdade, a rebeldia em pessoa. Imaginou os seus caracóis negros, indomáveis, o sorriso maroto, desafiador, as sardas rebeldes que se espalhavam pelo seu rosto. Viu-a de novo em cima do cavalo, galopando pela areia sem qualquer preocupação, e sentiu orgulho por ser sua filha.

E de repente soube que ela estava ali. Em cada passo descalço, em cada canção entoada baixinho, em cada rasgão da camisa, cada cabelo despenteado, cada calo, cada gesto, cada olhar penetrante. Soube que finalmente conseguira trazê-la de volta, e sentiu-se, de novo, inteiro. De repente, deixara de caminhar sozinho.

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