Fundada em 2008, a Bollywood é a primeira escola de skate do Porto. As aulas têm lugar na Casa da Música, aos fins de semana, num agradável ambiente de familiaridade, no seio da agitação que é a própria modalidade.
São 15h35. O sábado está soalheiro e a Casa da Música apinhada de jovens com um traço em comum: todos eles têm a mesma paixão, o skate. Alguns estão sentados no chão, a conversar, outros a descer as rampas laterais e deslizar numa barra de ferro. Num dos grupos, um adulto destaca-se, com o dobro do tamanho, por entre as cinco ou seis cabecinhas de criança que saltitam à sua volta.
- Três voltinhas à Casa, pessoal. – anuncia Hugo. As cabecinhas dispersam, todas no mesmo sentido. A aula de skate está a começar.
Foi há um ano e meio que Zé, como todos o chamam, teve a ideia de criar esta escola. A ideia surgiu quando se apercebeu que existia uma saturação das escolas de surf. Como sempre teve lojas ligadas ao skate, e numa óptica de novidade, achou que fazia todo o sentido criar estas aulas.
Os primeiros meses foram os mais difíceis, por causa do investimento que teve de ser feito em publicidade, e por ainda não haver um conhecimento das aulas por parte do público. No entanto, Zé considera que a escola está a seguir o bom caminho, crescendo devagar mas com segurança - se inicialmente os alunos eram filhos de conhecidos, agora há já vinte e oito inscritos.
Zé fica um pouco afastado do espaço de acção, a conversar com dois pais que assistem à aula.
O aquecimento está feito, e Hugo dá as indicações para o exercício seguinte. Hoje as crianças vão treinar uma das manobras mais simples, o ollie. Para fazer o truque é preciso “dar o pop e puxar o pé para o nose”, segundo as explicações de Hugo. Os termos podem parecer complicados, mas estes meninos, entre os seis e os treze anos, percebem-nos perfeitamente. Alguns começam logo a saltar, outros precisam de mais atenção e ajuda.
Enquanto praticam, os rapazes vão conversando. As conversas centram-se, obviamente, no skate. Primeiro sobre um vídeo do maior ollie alguma vez dado, que alguns viram no Youtube, depois, sobre o jogo Tony Hawk, para a Playstation. Discutem estes temas como pequenos entendidos. Sabem o nome de todos os truques conseguidos no jogo e tentam reproduzi-los ali mesmo. O skate salta-lhes dos pés, faz duas ou três piruetas no ar e acaba por aterrar a uns metros de distância. A macacada fá-los rir, e tentam, desta vez, repetir a proeza dos amigos.
Apercebendo-se da agitação, Hugo pára a aula por dez minutos para fazerem o que lhes apetecer, desde que depois se concentrem e trabalhem, claro! A reacção é instantânea: correm para o topo das rampas, de onde se atiram, uns em pé, outros sentados e até deitados, todos juntos ou aos pares, descontraidamente ou em jeito de corrida.
As aulas não são, portanto, muito rígidas. Para além dos intervalos que faz sempre que achar necessário, as crianças estão autorizadas a desaparecer no interior do edifício, em busca de um quarto de banho ou uma garrafa de água. Também podem parar sempre que precisem de descansar um pouco, ou para quebrar a monotonia de estar sempre a fazer o mesmo exercício. Por vezes, quando alguém exterior à aula tenta uma manobra mais complicada, as cabeças voltam-se instantaneamente na sua direcção, e durante esse tempo, o truque que estão a tentar fazer fica esquecido. Hugo não se zanga.
- O skate é mesmo assim: ter a liberdade de se andar quando quiser, com quem quiser, com as roupas que se quiser. Não há regras fixas que se tenham de aplicar… - explica.
Com trinta anos, passou metade da vida a andar de skate. Está neste projecto desde o seu início, mas não se considera um professor.
- O skate é uma modalidade complicada porque requer destreza e aptidão física. Não é uma disciplina em que se possa sentar os alunos e explicar a matéria. O que eu faço aqui é dizer como é que eles têm de pôr os pés, como mexer os ombros, como saltar, mas tudo depende deles. – enquanto fala tira um cigarro do bolso de trás das calças.
- Agora não digas que fumo durante a aula! – reclama. Os motivos são mais que justos. – Desde sempre que há a imagem de que o skate está relacionado com a marginalidade, o vandalismo, as drogas. As pessoas não percebem que não podemos julgar as atitudes de dois ou três e pôr tudo no mesmo saco. – Gesticula freneticamente, quase deixando cair o cigarro - Há pessoas boas e pessoas más em todo o lado, há jogadores de futebol que se drogam, mas ninguém vai impedir o filho de jogar à bola por causa disso! O skate tem de ser visto como uma actividade desportiva; se aqueles que o praticam têm bons ou maus comportamentos depende deles mesmos.
Segue-se um silêncio de segundos, em que leva o cigarro à boca e retoma a postura inicial.
- Mas as pessoas dizem sempre mal daquilo que não conhecem, e nós estamos aqui para tentar mudar essa mentalidade.
Não é o caso do Manel. O pai não só não o proíbe de andar de skate, como pô-lo na escola assim que esta abriu, para que o filho melhorasse o seu desempenho na actividade. O Manel tinha então quatro anos.
- Ele teve contacto com o skate e sentiu-se atraído, como qualquer miúdo fica. Comecei a trazê-lo para a Casa da Música, porque sabia que aqui havia outros miúdos a praticar, e acabei por ter conhecimento da escola.
Rui não tem dúvidas de que as aulas têm beneficiado o filho. As melhorias têm-se sentido não só a nível técnico como também nas suas relações interpessoais.
- Ele não era um menino muito sociável, e o convívio com os outros miúdos levou-o a criar amizades e dar-se mais com as outras pessoas.
Mas a aceitação de Rui pelo skate foi mais além. Graças ao filho, Rui iniciou-se na prática do longboard.
- Foi o Manel que me trouxe para isto. – sorri - Dei por mim aqui sentado duas horas a olhar para ele, e depois vi um longboard, experimentei, e comecei a aproveitar o tempo. Em vez de estar aqui parado, vou-me divertir também.
A segunda parte da aula acontece na parte de trás da Casa da Música, para onde todos se dirigem. Aqui, há um passeio alto que as crianças têm de descer com ollies. A presença dos pais vai-se revelar de extrema importância para este exercício: o passeio dá para uma saída de um parque de estacionamento, e são eles quem verifica se vem algum carro, enquanto o Hugo circula por entre os rapazes corrigindo as suas posições e demonstrando como devem fazer.
Os rapazes fazem uma fila e vão saltando, à vez, para baixo. A maioria consegue fazer os saltos bastante altos, pelo que o grau de dificuldade do exercício vai ser aumentado para eles. Agora, não só têm de saltar o passeio, como saltar, simultaneamente, uma barreira criada por Hugo com o seu próprio skate. Ao princípio, as crianças acabam sempre com os joelhos no chão, mas nem por isso desistem. Enquanto saltam, os pais e os “colegas de turma” manifestam o seu apoio, dando-lhes a confiança tão necessária aos bons resultados.
Cinco menos um quarto. A aula começa a esmorecer lentamente. As crianças estão de novo agitadas, exigindo a atenção dos adultos, que combinam uma ida à Maia, no dia seguinte.
- As aulas são maioritariamente na Casa da Música – explica Zé – mas de vez em quando vamos para outros locais, como os skateparks da Maia e Póvoa de Varzim.
- Todos os sítios são diferentes e requerem habilidades diferentes. Se andarmos sempre no mesmo sítio acabamos por nos fartar. – acrescenta Hugo – Os níveis de dificuldade também variam, por isso tentamos que eles aprendam a aproveitar os diferentes locais e saberem enquadrar-se.
Na sua opinião, estas saídas são, talvez, o mais vantajoso das aulas de skate. Em vez de pedirem aos pais que os levem até ao local, vão todos juntos, de metro, como um grande grupo.
- Eles estão nas aulas para aprender a andar de skate, mas também para fazer amizades, e estes passeios acabam por fortalecer os laços entre eles. Quando lhes dizemos que vamos para algum lado, é a festa total! E nós estamos aqui é para os acompanhar, para lhes dar esse doce que lhes faz falta.
São os próprios alunos que acabam por dar a aula como terminada. Cansados, vão-se sentando com os adultos, a lanchar. Amanhã, para a semana, no mês que vem, cá estarão de novo, com essa força de pequenos gigantes apaixonados pelo skate.
São 15h35. O sábado está soalheiro e a Casa da Música apinhada de jovens com um traço em comum: todos eles têm a mesma paixão, o skate. Alguns estão sentados no chão, a conversar, outros a descer as rampas laterais e deslizar numa barra de ferro. Num dos grupos, um adulto destaca-se, com o dobro do tamanho, por entre as cinco ou seis cabecinhas de criança que saltitam à sua volta.
- Três voltinhas à Casa, pessoal. – anuncia Hugo. As cabecinhas dispersam, todas no mesmo sentido. A aula de skate está a começar.
Foi há um ano e meio que Zé, como todos o chamam, teve a ideia de criar esta escola. A ideia surgiu quando se apercebeu que existia uma saturação das escolas de surf. Como sempre teve lojas ligadas ao skate, e numa óptica de novidade, achou que fazia todo o sentido criar estas aulas.
Os primeiros meses foram os mais difíceis, por causa do investimento que teve de ser feito em publicidade, e por ainda não haver um conhecimento das aulas por parte do público. No entanto, Zé considera que a escola está a seguir o bom caminho, crescendo devagar mas com segurança - se inicialmente os alunos eram filhos de conhecidos, agora há já vinte e oito inscritos.
Zé fica um pouco afastado do espaço de acção, a conversar com dois pais que assistem à aula.
O aquecimento está feito, e Hugo dá as indicações para o exercício seguinte. Hoje as crianças vão treinar uma das manobras mais simples, o ollie. Para fazer o truque é preciso “dar o pop e puxar o pé para o nose”, segundo as explicações de Hugo. Os termos podem parecer complicados, mas estes meninos, entre os seis e os treze anos, percebem-nos perfeitamente. Alguns começam logo a saltar, outros precisam de mais atenção e ajuda.
Enquanto praticam, os rapazes vão conversando. As conversas centram-se, obviamente, no skate. Primeiro sobre um vídeo do maior ollie alguma vez dado, que alguns viram no Youtube, depois, sobre o jogo Tony Hawk, para a Playstation. Discutem estes temas como pequenos entendidos. Sabem o nome de todos os truques conseguidos no jogo e tentam reproduzi-los ali mesmo. O skate salta-lhes dos pés, faz duas ou três piruetas no ar e acaba por aterrar a uns metros de distância. A macacada fá-los rir, e tentam, desta vez, repetir a proeza dos amigos.
Apercebendo-se da agitação, Hugo pára a aula por dez minutos para fazerem o que lhes apetecer, desde que depois se concentrem e trabalhem, claro! A reacção é instantânea: correm para o topo das rampas, de onde se atiram, uns em pé, outros sentados e até deitados, todos juntos ou aos pares, descontraidamente ou em jeito de corrida.
As aulas não são, portanto, muito rígidas. Para além dos intervalos que faz sempre que achar necessário, as crianças estão autorizadas a desaparecer no interior do edifício, em busca de um quarto de banho ou uma garrafa de água. Também podem parar sempre que precisem de descansar um pouco, ou para quebrar a monotonia de estar sempre a fazer o mesmo exercício. Por vezes, quando alguém exterior à aula tenta uma manobra mais complicada, as cabeças voltam-se instantaneamente na sua direcção, e durante esse tempo, o truque que estão a tentar fazer fica esquecido. Hugo não se zanga.
- O skate é mesmo assim: ter a liberdade de se andar quando quiser, com quem quiser, com as roupas que se quiser. Não há regras fixas que se tenham de aplicar… - explica.
Com trinta anos, passou metade da vida a andar de skate. Está neste projecto desde o seu início, mas não se considera um professor.
- O skate é uma modalidade complicada porque requer destreza e aptidão física. Não é uma disciplina em que se possa sentar os alunos e explicar a matéria. O que eu faço aqui é dizer como é que eles têm de pôr os pés, como mexer os ombros, como saltar, mas tudo depende deles. – enquanto fala tira um cigarro do bolso de trás das calças.
- Agora não digas que fumo durante a aula! – reclama. Os motivos são mais que justos. – Desde sempre que há a imagem de que o skate está relacionado com a marginalidade, o vandalismo, as drogas. As pessoas não percebem que não podemos julgar as atitudes de dois ou três e pôr tudo no mesmo saco. – Gesticula freneticamente, quase deixando cair o cigarro - Há pessoas boas e pessoas más em todo o lado, há jogadores de futebol que se drogam, mas ninguém vai impedir o filho de jogar à bola por causa disso! O skate tem de ser visto como uma actividade desportiva; se aqueles que o praticam têm bons ou maus comportamentos depende deles mesmos.
Segue-se um silêncio de segundos, em que leva o cigarro à boca e retoma a postura inicial.
- Mas as pessoas dizem sempre mal daquilo que não conhecem, e nós estamos aqui para tentar mudar essa mentalidade.
Não é o caso do Manel. O pai não só não o proíbe de andar de skate, como pô-lo na escola assim que esta abriu, para que o filho melhorasse o seu desempenho na actividade. O Manel tinha então quatro anos.
- Ele teve contacto com o skate e sentiu-se atraído, como qualquer miúdo fica. Comecei a trazê-lo para a Casa da Música, porque sabia que aqui havia outros miúdos a praticar, e acabei por ter conhecimento da escola.
Rui não tem dúvidas de que as aulas têm beneficiado o filho. As melhorias têm-se sentido não só a nível técnico como também nas suas relações interpessoais.
- Ele não era um menino muito sociável, e o convívio com os outros miúdos levou-o a criar amizades e dar-se mais com as outras pessoas.
Mas a aceitação de Rui pelo skate foi mais além. Graças ao filho, Rui iniciou-se na prática do longboard.
- Foi o Manel que me trouxe para isto. – sorri - Dei por mim aqui sentado duas horas a olhar para ele, e depois vi um longboard, experimentei, e comecei a aproveitar o tempo. Em vez de estar aqui parado, vou-me divertir também.
A segunda parte da aula acontece na parte de trás da Casa da Música, para onde todos se dirigem. Aqui, há um passeio alto que as crianças têm de descer com ollies. A presença dos pais vai-se revelar de extrema importância para este exercício: o passeio dá para uma saída de um parque de estacionamento, e são eles quem verifica se vem algum carro, enquanto o Hugo circula por entre os rapazes corrigindo as suas posições e demonstrando como devem fazer.
Os rapazes fazem uma fila e vão saltando, à vez, para baixo. A maioria consegue fazer os saltos bastante altos, pelo que o grau de dificuldade do exercício vai ser aumentado para eles. Agora, não só têm de saltar o passeio, como saltar, simultaneamente, uma barreira criada por Hugo com o seu próprio skate. Ao princípio, as crianças acabam sempre com os joelhos no chão, mas nem por isso desistem. Enquanto saltam, os pais e os “colegas de turma” manifestam o seu apoio, dando-lhes a confiança tão necessária aos bons resultados.
Cinco menos um quarto. A aula começa a esmorecer lentamente. As crianças estão de novo agitadas, exigindo a atenção dos adultos, que combinam uma ida à Maia, no dia seguinte.
- As aulas são maioritariamente na Casa da Música – explica Zé – mas de vez em quando vamos para outros locais, como os skateparks da Maia e Póvoa de Varzim.
- Todos os sítios são diferentes e requerem habilidades diferentes. Se andarmos sempre no mesmo sítio acabamos por nos fartar. – acrescenta Hugo – Os níveis de dificuldade também variam, por isso tentamos que eles aprendam a aproveitar os diferentes locais e saberem enquadrar-se.
Na sua opinião, estas saídas são, talvez, o mais vantajoso das aulas de skate. Em vez de pedirem aos pais que os levem até ao local, vão todos juntos, de metro, como um grande grupo.
- Eles estão nas aulas para aprender a andar de skate, mas também para fazer amizades, e estes passeios acabam por fortalecer os laços entre eles. Quando lhes dizemos que vamos para algum lado, é a festa total! E nós estamos aqui é para os acompanhar, para lhes dar esse doce que lhes faz falta.
São os próprios alunos que acabam por dar a aula como terminada. Cansados, vão-se sentando com os adultos, a lanchar. Amanhã, para a semana, no mês que vem, cá estarão de novo, com essa força de pequenos gigantes apaixonados pelo skate.
3 comentários:
Tentative de reportagem? Na minha opinião está muito boa mesmo :D
Foi a primeira que fiz! :$
Obrigada, ainda bem que gostaste! :D
Par uma primeira reportagem está conseguida! Como já referi, tens um bom estilo e consegues escolher as palavras.
Já te estou a ver de máquina fotográfica e computador, Beky a futura jornalista!
Porque tens jeito, parabéns!
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