- Não andes por aí, Carina, vais cair.
A criança não liga nenhuma, e continua a pôr um pé a seguir ao outro, sobre o muro de pedra.
- Já te disse para saires daí... Tu vais cair! Vais cair e vai ser bem feita.
Ante o desacreditar da mãe, a menina cai, esfola o joelho, e começa a chorar.
- Caramba, Carina, eu bem avisei! - a mãe levanta-se e dá duas sapatadas na filha por ter caído.
Trinta e cinco anos depois.
Carina está deitada com o marido. Está naquele estado em que não estamos acordados apesar de também não estarmos a dormir. A letargia é interrompida subitamente pelo barulho de chapa contra chapa, e o chiar de travões. Carina levanta-se subitamente, com o coração aos pulos. "Foi o meu carro?". Desce as escadas a correr e abre a porta. Não importa que esteja de pijama, tem de se certificar. "Foi o meu!". Uma mossa do lado esquerdo, o pára-choques destruído, o retrovisor no chão. Do outro carro, o que bateu, sai uma senhora. Vem a mancar, as mãos a tremer sobre o rosto, a prender o choro.
- Mas qual é a sua?! - grita Carina, a fúria a sair -lhe pela boca entre golfadas de ar - Não acredito que me foi fazer isto, é que não acredito mesmo! É preciso muita lata...
Carina aprendeu que somos sempre culpados das nossas acções. Não acredita em "sem-querer", em acasos ou acidentes. A culpa? Da sua mãe.
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