“Como vai o mundo?”. É esta a frase que associo ao meu avô. Dizia-a sempre com muita alegria, abrindo muito os olhinhos redondos, escondidos por entre a pele encorrilhada, e fazendo um sorriso maroto que lhe arrebitava a pontinha dos bigodes.
Deveria ter sete ou oito anos, quando lha ouvi pela primeira vez. Logo que saia da escola ia para sua casa, e passava as minhas tardes a brincar no quintal. Nessa altura, gostava de me empoleirar numa árvore, para espreitar a vida fora daqueles muros. “Como vai o mundo, Isabel?”, começou a dizer sempre que me encontrava a fazê-lo, tornando-a numa doce reprimenda que me deixava embaraçada.
Logo deixei de espreitar os vizinhos, mas a minha curiosidade para com o mundo não diminuiu, antes cresceu, fazendo com que eu, aos doze anos, decidisse que queria ser jornalista. Logo se montou um jornal em casa dos meus avós. Ironicamente, demos-lhe o nome de “Jornal do Quintal”, e ali comecei a escrever sobre os gatos que vinham roubar fruta, o óvni que vira a rondar o quintal na tarde anterior, ou qualquer outra invenção que me parecesse interessante. “Então, como vai o mundo?”, perguntava sempre que me via a correr com o pedacito de papel debaixo do braço, ainda escrito à mão.
Poucos anos depois o meu avô ganhou cataratas. Começou a cansar-lhe ler as letras pequenas dos jornais diários, e eu oferecia-me sempre para lhos ler. Sentávamo-nos então no quintal, e ele pedia “Ora diz-me lá como anda esse mundo…”.
Não tardou a que me tornasse adulta, não deixando, no entanto, de o visitar todos os dias, nem que fosse para lhe dar um beijinho. O “Jornal do Quintal” há muito que fora esquecido, e eu trabalhava agora com um jornal de verdade. Sempre que passava a porta de entrada, o meu avô cumprimentava “Como está hoje o mundo, Isabel?”, querendo com isto perguntar como me correra o dia no trabalho.
Hoje o meu avô já não se encontra entre nós. No entanto continuo a ouvi-lo perguntar pelo mundo, curioso com o que se tem passado cá por baixo nos últimos tempos.